Surpresas eleitorais

Almir Pazzianotto Pinto

 

O povo deu gigantesco salto para a vida civilizada, a partir do momento em que disputas de poder deixaram de ser travadas pelas armas, substituídas pela segurança do voto secreto.

Tudo principia na antiga Grécia, conforme ensina Fustel de Coulanges na obra clássica, A Cidade Antiga, publicada em 1864. O escrutínio popular indicou o caminho à democracia. No Brasil, entretanto, o Estado Democrático de Direito permanece em fase embrionária. Não por ausência de Constituição – estamos na oitava – mas devido à impossibilidade de vê-la amadurecer e ser respeitada. Do ponto de vista da adequação ao período em que vigoraram, as melhores foram a Carta Imperial (1824-1889), outorgada por Dom Pedro I, e a primeira Constituição republicana (1891-1930), escrita sob a batuta de Rui Barbosa.

As eleições municipais que se aproximam, serão um teste para o regime democrático? Aqueles que em seus municípios vencerem, tomarão posse tranquila, ou serão questionados?

A pergunta é pertinente. Afinal, permanecem em discussão os resultados das eleições presidenciais de 2022, com maléfica polarização entre Lula e Bolsonaro. O presídio da Papuda mantém presos políticos encarcerados arbitrariamente, sob a acusação de tentativa de golpe. Na verdade, nada mais eram do que bandos desorientados, sem objetivos definidos, como o estouro da boiada.

Surpresas em resultados eleitorais são comuns entre nós. Darei exemplos. A derrota do brigadeiro Eduardo Gomes para o general Eurico Dutra, em 2 de dezembro de 1945. Dutra tinha a imagem associada a ditadura de Getúlio Vargas. Foi Ministro da Guerra nos anos do Estado Novo. Pertence à história o fato de haver contribuído decisivamente para o golpe de 10 de novembro de 1937. Passados oito anos, liderou generais no golpe de 29 de outubro de 1945, derrubando Vargas. A mudança radical de direção não lhe apagou, porém, a imagem autoritária.

Em disputa que já lhe parecia perdida, foi a carta de Vargas confinado em São Borja, conhecida como “ele disse”, que alterou a tendência do eleitorado.  Dutra recebeu 3.251.507 votos. Eduardo Gomes, 2.039.341. Yedo Fiúza, indicado pelo Partido Comunista do Brasil, ao qual não pertencia, ficou em terceiro com 569.818. Sob a roupagem da Constituição democrática de 1946, o espírito do Estado Novo voltava ao poder, como logo constatariam comunistas e sindicalistas.

Outro inesperado aconteceria na eleição de Jânio Quadros à presidência da República em 1960. Natural do Mato Grosso, em 1947, com 30 anos de idade candidatou-se a vereador em São Paulo. Recebeu o apoio do colégio Dante Alighieri, onde lecionava. Venceu com 1.704 votos. Em 1950 se elegeu deputado estadual, pelo PDC. Em 1953, prefeito de São Paulo. No ano seguinte, já era governador do Estado, derrotando Adhemar de Barros.

Jânio ainda se elegeria deputado federal pelo Estado do Paraná, como trampolim para concorrer à presidência da República em 1960. O inusitado, no caso, deu-se com a surpreendente renúncia em 25 agosto de 1961, por motivos até hoje questionados. A crise, causada pela resistência das Forças Armadas à posse do vice-presidente João Goulart, desaguou no golpe de 31 de março de 1964.

O “homem da vassoura” retornou à política em 1982, candidatando-se a governador do Estado. Foi derrotado por Franco Montoro, como era de se esperar. Em 1985, porém, ignorou as pesquisas e, já idoso, se elegeu prefeito de São Paulo, impondo surpreendente derrota a Fernando Henrique Cardoso, do PMDB, e Eduardo Suplicy, do PT, astros em ascensão na vida pública.

Procuro acompanhar o que se passa em Capivari, Piracicaba, Rafard, Campinas, São Bernardo do Campo, Elias Fausto, Monte Mor, Tietê, Porto Feliz, cidades com as quais mantenho ligações afetivas. Interesso-me, sobretudo, pelos prefeitos que disputam a reeleição. O art. 8º do texto original da Constituição promulgada em 5 de outubro de 1988, determinava: “O mandato do Presidente da República é de cinco anos, vedada a reeleição para o período subsequente, e terá início em 1º de janeiro do ano seguinte ao da eleição”.

O governo de cinco anos resultou da insistência do presidente José Sarney, cujo mandato seria de seis, conforme a redação do art. 75 da Constituição de 1967, alterado pela Emenda Constitucional nº 8/1977.

A estabilidade constitucional entre nós é utopia. Sujeita-se às conveniências políticas do momento. Por este motivo é que o mandato presidencial de quatro anos passou a cinco, seis, e voltou a quatro com a Emenda nº 16/1997, que inovou para permitir a reeleição do presidente da República, de Governadores de Estado e do Distrito Federal, e  Prefeitos.

A possibilidade da reeleição pesa na conduta dos reelegíveis e no processo eleitoral. Governa-se, desde o momento da posse, com os olhos voltados ao segundo mandato. Vamos observar quantos serão os reeleitos, e o número daqueles que serão reprovados. De todo modo, espero prevalecer o espírito de justiça, no julgamento popular.

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Almir Pazzianotto Pinto, advogado, foi deputado estadual, ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST); autor de A Falsa República.

 

 

 

 

 

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