Saúde mental dos professores: entre a invisibilidade e o descaso

Lilian Lacerda

 

A atividade laboral se constitui como tarefa cotidiana na vida dos indivíduos principalmente como garantia do sustento e sobrevivência cujo o valor acima do necessário produz impactos contundentes na saúde mental do trabalhador.

As transformações técnicas e organizacionais do mundo do trabalho têm gerado consequências significativas para a vida e saúde dos trabalhadores em geral, o que condiciona mudanças no seu perfil de morbimortalidade com aumento de doenças mentais, psicossomáticas, cardiovasculares, entre outras.

Na educação, o processo de reestruturação produtiva vem apresentando novas demandas que impulsionam transformações na organização do trabalho docente levando a um cenário de desvalorização, imposição de metas abusivas e cobranças permanentes sobre o uso de plataformas nas escolas têm afetado as condições de trabalho dos(as) profissionais da educação básica.

Neste sentido, o exercício da docência vem ao longo das décadas, sendo permeado por condições de  desfavoráveis: baixos salários, recursos escassos, materiais pedagógicos inadequados, salas de aula superlotadas, exposição a violência, carga horária excessiva, assédios, participação inexpressiva no planejamento da instituição e na política institucional e um ambiente de trabalho inseguro.

Dados de uma pesquisa realizada pela União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME, 2023) em parceria com a organização Itaú Social, mostram que a saúde mental desponta como a maior dificuldade para 75% das redes públicas do Brasil. Este dado preocupante é acompanhado pela constatação de que muitos dos educadores que sofrem de esgotamento, enfrentam dificuldades em suas relações pessoais dentro e fora da escola.

Já a Secretaria da Previdência Brasileira traz dados que indicam episódios depressivos como principal motivo de afastamentos não decorrentes de acidentes no trabalho, representando uma parcela de 30,67% dos auxílios-doença entre os docentes.

Desta forma, compreende-se que a precariedade das condições de trabalho revela condições de exploração no trabalho do professor, a gestão imprópria de recursos, assédios, déficits na formação e falta de implementação de políticas de apoio ao docente contribuem para o adoecimento psicológico.

É preciso encarar esta realidade sem culpabilizar o docente para que possamos compreender o tamanho do problema e implementar formas de oferecer ambientes mais saudáveis e seguros para estes profissionais. A realidade da rede municipal de educação de Piracicaba é mascarada, pois muitos professores não procuram ajuda psicológica ou se fazem, já é numa fase crítica. Ademais, muitos profissionais não divulgam o CID de transtorno psiquiátrico com medo do estigma na escola.

Tais constatações apontam para uma falta de estrutura gigantesca, dado o porte da secretaria, do número de profissionais que atuam na educação. É uma barbárie, pois o município age na consequência e não na causa. Para diminuir o número de faltas dos professores a SME atrelou o bônus a presença do professor ao longo do ano. Como se o docente estivesse imune a qualquer doença ou enfermidade. A esse respeito, é preciso ressaltar que muitos docentes contraem doenças no ambiente de trabalho, no manejo de crianças pequenas, entre outros. Outro fator de impacto dessa decisão de atrelar o bônus a presença do professor em sala de aula é o fato de que muitos profissionais laboram doentes para não serem prejudicados financeiramente.

Não se pode deixar de mencionar que no município não há nada que impeça esse tipo de prática, uma vez que a SME aprova resoluções sem oposição. De outra parte, não há um trabalho de circunspeção por parte do sindicato.

Diante do exposto, torna-se necessário que sejam pensadas políticas públicas voltadas para o bem-estar dos educadores, fortalecer ações de prevenção e promoção de saúde, contribuindo também na melhoria da qualidade da educação.

Recentemente, foi sancionada a Lei 14.831 (27/03/2024) que estabelece o Certificado Empresa Promotora da Saúde Mental, de âmbito nacional, a ser concedido pelo governo federal às empresas que atenderem a determinados critérios de promoção da saúde mental e do bem-estar de seus trabalhadores.

Dentre as boas práticas a serem adotadas pelas empresas, de acordo com a nova lei, em resumo: implementação de programas de promoção da saúde mental no ambiente de trabalho; oferta de acesso a recursos de apoio psicológico e psiquiátrico para seus trabalhadores; combate à discriminação e ao assédio em todas as suas formas; promoção de ambiente de trabalho seguro e saudável; incentivo ao equilíbrio entre a vida pessoal e a profissional; incentivo à prática de atividades físicas e de lazer; divulgação regular das ações e das políticas relacionadas à promoção da saúde mental e do bem-estar de seus trabalhadores nos meios de comunicação utilizados pela empresa.

Até o momento, a SME de Piracicaba não sinalizou nenhuma medida ou a possibilidade de regulamentação de um programa de saúde mental no trabalho, direcionado aos profissionais da educação.

A SME não possui atendimento psicológico aos profissionais da educação e o SEMPEM não comporta as demandas de atendimento, com o agravante das perícias médicas considerarem boa parte das educadoras aptas para retorno ao trabalho, mesmo sem ter condições de retornar.

É urgente e fundamental a criação de medidas de proteção e assistência à saúde mental efetivas aos profissionais da educação, para que estes possam realizar suas atividades de forma saudável e segura.

 

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Lilian Lacerda, professora, doutora, psicanalista clinica

 

 

 

 

 

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