João Salvador
A maconha sempre foi um motivo de discórdia e tabus no que se refere às penalidades pelo seu uso. Antes a lei estabelecia para quem fosse abordado consumindo ou portando a droga, com qualquer porção, era um criminoso e preso, sem distinção de pena entre o traficante e o usuário. Depois, ela passou a ser mais branda e o indiciado era somente obrigado a assinar um termo circunstancial – TCO –, registrando-o como usuário e obrigando-o a prestar serviços comunitários. À época, a questão também envolvia os conceitos e preconceitos, quanto à questão racial e socioeconômica. Negros e pobres eram os mais visados, com sugestões de tratamento clínico para o dependente.
Em abril deste ano, o Senado aprovou uma PEC à Constituição, ainda em discussão na Câmara, para a criminalização do uso de qualquer substância entorpecente, uma tolerância zero.
Porém, por decisão histórica, no dia 2 de junho deste ano, a Suprema Corte atropelou a prerrogativa do Congresso e descriminalizou a maconha para o uso de até 40 gramas, suficiente para se fazer de 43 a 130 cigarros, dependendo do formato desejado, tipo tocha ou fininho. Quem for pego com mais de 40 gramas é considerado um traficante, e, pior ainda, se tiver uma balança e um bloquinho de anotações. Se o policial deve portar consigo uma balança para conferir e dispor de tempo para contar os cigarros numa mochila, ainda se especula. É a Constituição Federal rasgada, a vontade do povo dilacerada e pareceres médicos picotados.
A droga foi descriminalizada e não legalizada. A venda e a produção ainda são proibidas, bem como fumar em público, garantindo o direito de quem não fuma. A partir de agora, numa abordagem policial, o indivíduo não sofrerá um processo penal, não terá um registro em sua ficha criminal, comete apenas uma infração administrativa. Engraçado, os usuários dependem do vendedor para fumar e o vendedor não pode vender, muito esquisita essa decisão dos togados.
O que pode acontecer a partir de agora é “descriminalizar” os detentos que pagam pena pela lei anterior, em detrimento à atual. Com certeza será feita uma revisão dos processos para que muitos sejam soltos. Os traficantes terão maior facilidade de decolar e aterrissar seus “aviõezinhos”, com pequenas quantidades, em direção aos pontos de consumo, inclusive nas portas das escolas, pelo tráfico disfarçado de uso pessoal. Haja incongruência jurídica. O que impressiona é que os “legisladores” ignoram que todos os países em que as drogas foram liberadas, houve o aumento de traficantes, de usuários e o da criminalidade. É um choque de realidade, que somente o Legislativo brasileiro poderá resolver. Por enquanto, dentro das normas, o beck está liberado para uso próprio e os professores poderão lecionar para certos “zumbis”, sob a alegação que é um direito “recreacional”.
______
João Salvador, biólogo e articulista