O legado da Revolução Constitucionalista de 1932

Ronaldo Castilho

A Revolução Constitucionalista de 1932, conhecida como Guerra Paulista, é um dos episódios mais marcantes da história brasileira do século XX. O movimento armado, ocorrido entre julho e outubro daquele ano em São Paulo, teve como objetivo central restaurar a ordem constitucional no país, que estava sob o governo provisório de Getúlio Vargas.

O contexto que levou à revolução remonta à queda da República Velha em 1930, quando Vargas ascendeu ao poder por meio de um golpe de estado. A transição inicial foi recebida com certa aceitação, porém logo gerou descontentamento, especialmente entre as elites políticas e econômicas de São Paulo. Anteriormente dominante devido à influência do café, São Paulo viu-se marginalizada pelas reformas centralizadoras de Vargas, que incluíram a nomeação de interventores federais para governar os estados, minando a autonomia regional.

Durante a República Velha, São Paulo desempenhou um papel de destaque na política nacional devido à sua posição como principal produtor de café. A política conhecida como “café com leite”, uma aliança entre as oligarquias cafeeiras paulistas e as pecuaristas de Minas Gerais, moldava as decisões políticas do país. Com a ascensão de Vargas, essa influência foi drasticamente reduzida, marcando o declínio da hegemonia paulista no cenário político nacional.

A crise econômica mundial de 1929, conhecida como Grande Depressão, teve um impacto devastador em São Paulo, exacerbando a já delicada situação da economia cafeeira. Como principal estado produtor de café no Brasil, São Paulo dependia fortemente das exportações do produto, cujos preços despencaram abruptamente no mercado internacional. A elite local, composta por grandes fazendeiros e industriais, enfrentou políticas de controle implementadas por Vargas para estabilizar o mercado, vistas como insuficientes e prejudiciais aos interesses econômicos da região. Essa situação contribuiu para aumentar significativamente o descontentamento político e econômico entre a elite paulista, que se sentia cada vez mais isolada e desafiada pelo governo federal.

As consequências políticas da crise foram igualmente significativas, abrindo espaço para movimentos populistas e autoritários globalmente. Na América Latina, a instabilidade econômica e social contribuiu para o fortalecimento de regimes populistas, enquanto na Europa, regimes fascistas ascenderam. No Brasil, a crise intensificou as tensões políticas e sociais, culminando na Revolução Constitucionalista de 1932 em São Paulo. Iniciada em 9 de julho, a revolta visava restabelecer a ordem constitucional, convocar uma Assembleia Constituinte e reafirmar a autonomia estadual diante das políticas centralizadoras do governo Vargas.

O movimento contou com amplo apoio popular, envolvendo não apenas a elite, mas também a classe média, estudantes, empresários e membros da Força Pública (Polícia Militar). Apesar da bravura e determinação dos revolucionários, as forças paulistas enfrentaram a superioridade numérica e bélica das tropas federais. Após quase três meses de combates intensos, a revolução foi derrotada em 2 de outubro de 1932.

Apesar de a derrota militar, a Revolução Constitucionalista de 1932 teve um impacto profundo na história brasileira. A pressão gerada pelo movimento acelerou a convocação da Assembleia Constituinte, que resultou na promulgação da Constituição de 1934, um marco de retorno à normalidade constitucional e um passo importante para a consolidação democrática no país.

O legado da revolução transcendeu o campo político. Tornou-se um símbolo de resistência e luta pela democracia e autonomia estadual em São Paulo. O feriado estadual de 9 de julho celebra anualmente esse movimento, reforçando a identidade e o orgulho paulista.

A Revolução Constitucionalista de 1932, embora tenha sofrido uma derrota militar, foi fundamental para ressaltar a importância da ordem constitucional no Brasil. Marcou um capítulo decisivo na história política do país, redefinindo as relações de poder e inspirando gerações futuras na busca por justiça social e democracia plena.

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Ronaldo Castilho, jornalista, bacharel em Teologia e Ciência Política

 

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