Porte e uso de maconha

Almir Pazzianotto Pinto

Se alguém é flagrado pela polícia, trazendo consigo trouxa de maconha, é traficante, ou consumidor. Derivados da cannabis sativa, industrializados e vendidos em farmácias, para fins medicinais, vêm embalado, selados e acompanhados da respectiva bula, ou seja, do papel impresso contendo informações sobre como usá-los.

No passado distante, quando não se conheciam os modernos anestésicos, médicos e hospitais prescreviam a morfina para atenuar a dor. Orlando Silva, o cantor das multidões, usou a morfina com o objetivo de reduzir o sofrimento provocado pela amputação de uma parte do pé esquerdo, após ser vítima de desastre causado por um bonde. Ficou viciado. Jamais se livrou da droga, pelo resto da vida. Para saberem mais, leiam a biografia Nada Além, do escritor Jorge Aguiar (Editora Globo, SP, 1995).

O uso medicinal da maconha tem se difundido. Representa, porém, quantidade mínima diante de milhares se toneladas produzidas na Bolívia, Paraguai, ou Colômbia, transportadas em automóveis, caminhões, barcos e pequenos aviões, para serem vendidas no mercado interno ou levadas para África e Europa. Segundo os jornais, o Brasil seria a rota preferida pelo tráfico internacional.

Na Faculdade de Direito da PUC de Campinas, onde me bacharelei em ciências jurídicas no ano de 1960, adotava-se a obra do professor Flaminio Fávero (1895-1982) para a cadeira de Medicina Legal. Àquela época, os estudos de criminalística não citavam os entorpecentes e o crime organizado como responsáveis pelos maiores índices de violência. Nos primeiros lugares tínhamos crimes passionais, o alcoolismo, o roubo, homicídios seguidos de morte.

O palco da violência se transformou e se agravou. Na ponta, em posição destacada, encontramos maconha, cocaína, heroína, crack, e longa série de sintéticos fabricados em laboratórios clandestinos, comercializados por todos os tipos de traficantes, desde aqueles que mantém clientela entre miseráveis moradores de rua, como aqueles cujos consumidores pertencem as altas esferas da sociedade.

A luta contra a expansão das drogas, e a atuação de grandes cartéis, tem exigido dos países desenvolvidos, em vias de desenvolvimento, e pobres, recursos que seriam melhor empregados em educação, saúde, construção de moradias, saneamento básico. Os resultados deixam, porém, a desejar. No Brasil o narcotráfico supera os esforços empreendidos por organismos federais e estaduais de segurança. Domina considerável parcela da Região Amazônica. Já se infiltrou na política. Em situação dramática estão países da América Latina, como é o caso do Equador. Os Estados Unidos, a França, a Espanha, Itália, se empenham com todas as forças, mas não alcançam sucesso no combate ao tráfico.

A decisão do Supremo Tribunal Federal, favorável à descriminalização foi tomada por seis votos contra quatro. Os ministros Gilmar Mendes, Rosa Weber (aposentada), Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Dias Toffoli e Carmen Lúcia, admitem o uso de 40 gramas de maconha pelo viciado. Cristiano Zanin, Kassio Nunes Marques e André Mendonça, proferiram decisão em favor da lei e da sociedade. O voto do ministro Luiz Fux foi confuso. Dependeria, segundo os jornais, de interpretação.

Posso afirmar que o STF invadiu a esfera de competência constitucional do Poder Legislativo. Basta a consulta ao art. 24 da Lei Fundamental. Assinale-se que, nas esferas do direito penal e processual penal, diante da extrema complexidade da matéria é vedado legislar mediante Medida Provisória (art. 62, I, b). Como observou alguém, os ministros da Alta Corte foram nomeados. Não receberam um único voto para tomar decisões que cabem a representantes do povo.

Certa ocasião o ministro Barroso afirmou que Brasília fica longe do Brasil. A decisão de ontem confirma a veracidade da frase. O temerário julgamento, tomado por escassa maioria, é uma bofetada no rosto das pessoas de bem. Dos pais que se esmeram em criar os filhos longe do vício, comprometidos com o trabalho, a ética, o amor à Pátria, os bons costumes.

Como reagirão as pessoas comuns, desprovidas de conhecimentos jurídicos especializados? Após acompanharem os acontecimentos pela televisão, acreditarão que fumar maconha foi liberado, e que o maconheiro da Cracolândia já não deve temer a ação policial.

O mal está feito. Desta vez pelo Supremo Tribunal Federal, o guarda precípuo da Constituição.

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Almir Pazzianotto Pinto, advogado, foi Ministro do Trabalho, presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST)

 

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