Sem dente, sem cabelo e sem vergonha

Walter Naime

O homem nasce e morre sem três coisas: sem dente, sem cabelo e sem vergonha. Essa reflexão anônima carrega uma verdade relevante sobre o ciclo da vida e a condição humana em seus momentos mais vulneráveis. Desde o nascimento até a velhice, passamos por transformações físicas e psicológicas que nos aproximam do nosso início.

Quando nascemos, somos recebidos no mundo de ponta cabeça, segurados pelas pernas e levamos um tapinha no bumbum para começar a respirar. Esse primeiro choro marca nosso despertar para a vida, um despertar que se dá sem dentes e, muitas vezes, sem cabelos. Nascemos também sem vergonha moral; a única vergonha que conhecemos é a natural, instintiva.

Mas o que é a vergonha e como se manifesta em diferentes fases da vida? Existem várias formas de vergonha: a vergonha natural, a vergonha moral, a vergonha social e a vergonha cultural.

A vergonha natural está relacionada às nossas necessidades fisiológicas e à exposição do corpo. É a primeira vergonha que sentimos ao nascer, ligada à nossa fragilidade física.

Já a vergonha moral é desenvolvida ao longo da vida com base em normas e valores éticos aprendidos. Essa vergonha é moldada pelo nosso senso de certo e errado e pelas expectativas morais da sociedade.

A vergonha social surge da interação com outras pessoas e do desejo de ser aceito pelo grupo. É a vergonha que sentimos ao cometer um erro em público ou ao nos desviarmos das normas sociais.

Há também a vergonha cultural, influenciada pela cultura em que vivemos, refere-se às práticas e comportamentos que cada sociedade considera apropriados ou inapropriados.

A vergonha moral é formada por elementos culturais, sociais e psicológicos, desenvolvendo-se à medida que crescemos e somos influenciados pelo ambiente ao nosso redor. No entanto, essa vergonha moral, solidamente construída ao longo de décadas, começa a se dissipar na velhice.

Por que isso acontece? Na terceira idade, o processo de envelhecimento muitas vezes leva à perda de dentes e cabelos, mas também afeta nossa psique. O idoso começa a sentir uma vontade crescente de se desvencilhar das normas sociais que antes seguiam rigorosamente. Muitos passam a não se importar com a higiene pessoal como antes, dispensam vestes e não sentem vergonha em estar nus. Esse comportamento reflete um retorno às condições do nascimento – sem dentes, sem cabelos e sem vergonha.

Essa semelhança entre as condições de início e fim da vida nos ensina algo sobre nossas origens e o ciclo natural da existência. Ao nos aproximarmos do final da vida, somos levados a questionar se deveríamos enfrentar o adeus ao mundo da vergonha moral com a mesma naturalidade que aceitamos nosso primeiro tapinha ao nascer. Será que o esquecimento gradual e a perda de inibições servem como um recurso biológico para nos preparar para essa despedida?

Se assim for, talvez nossa jornada de vida possa ser vista como um retorno às nossas origens mais puras e despojadas. Completar esse ciclo, de certa forma, cumpre o dever natural que nos foi imposto ao nascer. Sem dentes, sem cabelos e sem vergonha, concluímos nossa passagem por este mundo de maneira semelhante a como começamos, fechando o ciclo da vida com uma sensação de dever cumprido.

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Walter Naime, arquiteto-urbanista, empresário

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