Partidos: solução ou problema?

Julio Vasques Filho

Um exame acurado dos artigos 1º e 14º de nossa Constituição não deixa dúvida de que, em contraposição ao que a realidade nos mostra, as coisas não estão ocorrendo na vida política de nosso país exatamente como manda nossa Carta Magna: os conceitos de República, de Democracia e de Soberania Popular não estão sendo postos em prática de maneira correta; em um desvirtuamento do que pretenderam seus Constituintes, muito mais grave do que possa aparentar.

O resultado a que isso nos leva é que a culpa pelos maus resultados alcançados na administração de cidades, estados e do país têm como maior protagonista, indiscutivelmente e de um modo geral, o próprio povo brasileiro que, desconhecendo o fato, não assume integralmente sua função política institucional e segue acreditando que manifestações populares de rua e nas redes sociais (que em verdade são procedimentos paliativos, por não serem oficiais) seja o jeito certo de agir politicamente.

É assim que, ao mesmo tempo em que entendendo que assim estamos fazendo a nossa parte, só reclamando dos chamados “políticos”, para eles deixamos com exclusividade a condução de nossos próprios interesses e do destino da pátria, sem a menor ideia de que em democracia os políticos temos que ser todos nós, o povo, como nos autoriza a Constituição.

A principal razão da existência dessa gravíssima incoerência coletiva, que responde por grande parte dos males que afligem a sociedade brasileira, é o entrave cultural gerado pela falta de esclarecimento ao povo de como operar o novo regime de governo quando este foi implantado no país em lugar da monarquia, providência que deveria ter sido tomada   pelos agentes da proclamação da república. Vem daí continuarmos procedendo como se “elegêssemos os reis e suas cortes nas eleições municipais, estaduais e federal”, e sem exercer plenamente a cidadania.

Para que não se perca de vez a esperança torçamos pelo sucesso do projeto, que já tramita no Congresso Nacional, de fazer constar o ensino da política nos currículos das escolas de ensino fundamental e médio; uma ideia que evidentemente é a única maneira de preparar a juventude para mudar os descaminhos da democracia brasileira. Sendo assim, enquanto não formamos novas gerações com vontade e capacidade para assumir a política do Brasil de forma correta, resta para aquele que percebe a gravidade do problema, e tenha hombridade suficiente para assumir seu papel de cidadão democrata, entender que a melhor maneira de se corrigir tais falhas e distorções é agindo-se coletivamente. Afinal de contas, “todo o poder emana do povo”, mas de forma institucional.

Mas é aí que a coisa pega. Sobre os partidos políticos brasileiros, que deveriam existir para oficialmente dar voz ao povo, as informações que se tem não são animadoras. É fato consabido que, como regra, os atuais partidos, além de só existirem em função dos interesses particulares dos tais de “políticos” e seus colaboradores, não atendem às expectativas políticas da maior parte dos brasileiros, sendo essas, em síntese, mais algumas das explicações para o fato de que nas eleições de 2022 apenas 10% de eleitores brasileiros eram filiados a partidos políticos no Brasil.

Vistas tais explicações em seus detalhes, temos que: (1) os partidos brasileiros são mantidos financeiramente pela sociedade e o país lidera disparado o ranking mundial de gastos com partidos políticos. Dados do TSE revelam que até 8/9/2022 teria sido enviado aos partidos o valor espantoso de cerca de 9,5 bilhões de reais (fundo partidário + fundo eleitoral); não sendo segredo para ninguém que em geral nossos partidos políticos tem “donos” e que por causa disso a utilização dos recursos monetários que assim recebem é uma questão bastante nebulosa.

Não por coincidência existe no momento no Brasil um número absurdo de 29 partidos registrados e mais 17 em formação, sendo que a régua ideológica não comporta mais do que 4 a 6 legendas; (2) qualquer partido só deixará definitivamente de ser problema e passará a ser solução quando, além de não se enquadrar nesse esquema tenebroso de estelionato, o conjunto de seus filiados seja tratado como seu elemento essencial e soberano, de onde emane todo o seu poder, e de onde brote a voz que oriente suas decisões e gere suas ações; princípios sem os quais não pode existir soberania popular e consequentemente a prática da democracia; uma questão que ainda não é vista com a gravidade que lhe é inerente. Por enquanto, não sem motivo, pesquisas de opinião revelam que os partidos políticos são as instituições consideradas menos confiáveis do país.

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Julio Vasques Filho, Professor Doutor aposentado da Esalq-USP

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