“Encontro para a Segurança Pública”

Almir Pazzianotto Pinto

 

O caderno Blue Studio, publicado pelo Estadão, traz matéria sobre o tema Segurança Pública, Direitos Humanos & Democracia (ed. 16/6). O encontro de nível internacional, patrocinado pelo Instituto para a Reforma das Relações entre Estado e Empresa (IREE) e pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), teve como foco a segurança pública e a defesa.

Os expositores falaram para público seleto, integrado, entre outros, pela ex-senadora Katia Abreu, pelo Governador de Goiás, Ronaldo Caiado, e pelo ex-ministro da Defesa Raul Jungmann. As análises se detiveram em torno de “experiências de sucesso, políticas e práticas superadas e caminhos a seguir e suas dificuldades, com o objetivo de impedir que o Brasil se torne um ‘narcoestado’, sob o domínio de traficantes de drogas, armas e assassinos”.

No que concerne ao Brasil, as experiências são reveladoras de sucessivos fracassos. Tomo como exemplos a cracolândia, o tráfico de entorpecentes, o poder do crime organizado, o índice de homicídios e feminicídios, o controle das penitenciárias.

O caso do Rio de Janeiro merece reflexão. O Poder Executivo se fez representar pelo governador Cláudio Castro (PL). S. Exa. defendeu, como o fizeram outros expositores, a redução da população carcerária, composta majoritariamente por faccionados, ou seja, integrantes de fações criminosas, em permanente guerra entre si, ou contra milicianos, também delinquentes de extrema periculosidade.

O ministro Gilmar Mendes assumiu posição contrária à “cultura do encarceramento” vigente no Brasil. Para o magistrado, “há cultura de encarceramento que precisamos olhar. Tanto essa cultura de encarceramento – houve um flagrante, manda-se para a prisão – como também essa questão da audiência de custódia”, afirmou o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF)

Os problemas de segurança pública são conhecidos. De um lado, temos a população aterrorizada diante do crescimento da violência, como reflexo de crônicos problemas culturais, econômicos e sociais. De outra parte, defensores extremados de direitos humanos. Nesse sentido se manifestou o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Sílvio Almeida. Das obviedades que falou, retiro o seguinte trecho: “Qualquer pessoa que disser que está fazendo política de segurança pública sem respeitar os princípios basilares dos direitos humanos, que estão consagrados na Constituição, nos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, não está fazendo política de segurança pública, está usando poder de maneira arbitrária, está constituindo milícia”.

Luiz Eduardo Soares, apontado como “um dos maiores especialistas no tema”, cobrou o pleno cumprimento da Lei das Execuções Penais, alvo, entretanto, de severas críticas por ser leniente, na opinião de outros peritos no assunto. Referiu-se o expositor àqueles que denominou de “pequenos varejistas do comércio cotidiano de substâncias ilícitas”, cujo imediata prisão em flagrante obriga a “negociar sua sobrevivência no cárcere com facções criminosas”.

Conforme a letra da Constituição, a lei considera inafiançáveis e insusceptíveis de graça ou anistia o tráfico ilícito de drogas ou entorpecentes. Por outro lado, para proteger os direitos humanos, assegura aos litigantes e acusados em geral o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; proíbe a utilização de provas obtidas mediante violência; determina que nenhum será privado da liberdade ou perderá os seus bens, sem o devido processo legal. Para completar, ordena que o acusado não será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença condenatória (art. 5º).

O nosso arcabouço jurídico penal e processual penal pode ser considerado de boa qualidade. Vale recordar, porém, a sábia advertência de Marguerite Yourcenar, que pouco acreditava na eficácia das leis: “Quando demasiado duras são transgredidas com razão. Quando muito complicadas, o engenho humano encontra facilmente o meio de escapar por entre as malhas dessa rede frágil e escorregadia” (Memorias de Adriano, Editora Nova Fronteira).

Resolver o problema da falta de vagas nas penitenciárias, colocando nas ruas condenados por sentenças transitadas em julgado; não tirando de circulação criminosos presos em flagrante; permitindo o consumo de entorpecentes, jamais devolverá à sociedade a segurança a que tem direito.

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Almir Pazzianotto Pinto, advogado, foi ministro do Trabalho, presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST)

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