Democracia à brasileira

Julio Vasques Filho

Não há melhor definição de democracia do que a proferida por Abraham Lincoln:  “A democracia é o governo do povo, pelo povo, para o povo”. Ou seja, em uma democracia a governança é prerrogativa do povo, e deve ser exercida pelo próprio povo, em favor de si mesmo.  Tal definição é a que mais fielmente nos remete à forma direta de participação popular na governança de uma sociedade; como a democracia foi primordialmente concebida. Embora com o passar do tempo, e por razões plausíveis, tal conceito fosse frequentemente sendo considerado inviável e em virtude disso  fossem surgindo “diferentes maneiras” de pôr em prática a democracia e que se adaptassem as novas circunstâncias  resultantes do crescimento populacional e do surgimento de estados com maiores territórios, não importa quais os adjetivos que passaram a ser  colocados ao lado da palavra democracia, estes só podem representar apenas  formas de materialização de uma ideia única, sem, contudo,  adulterá-la em sua essência, sem tentar impedir que se consolide como verdade absoluta que democracia sempre terá um só significado, que a etimologia não deixa dúvidas qual seja : “o poder do povo de se governar”.(do grego dēmokratía, de dêmos, “povo” + * kratía, “força, poder”). Seja qual for o modelo operacional adotado por um país na gestão democrática de sua administração política, o poder supremo da república é o inquestionável poder do povo de se auto governar ”.   A teoria tradicional costuma classificar como democracia direta à forma primordial de democracia e de indireta ou representativa a que, por razões já consideradas acima, passou a utilizar representantes do povo na governança.  A partir daí, em alguns países, considerado o desenvolvimento crescente de crise de autenticidade da democracia representativa, institutos da democracia direta passaram a ser incorporados ao sistema político, mesclando-os aos da indireta, com o objetivo de lhe dar mais legitimidade. Essa conjugação de elementos culminou no que se denomina democracia semidireta. Essa forma de gestão da democracia busca superar as possíveis limitações contidas na democracia direta e a possível falta de autenticidade da democracia representativa, uma vez que, diferentemente das duas formas que a compõem, nesta as ações políticas podem ser concretizadas quer por ação direta do próprio povo, quer por meio da utilização de seus representantes. A ocorrência de decisões políticas tomadas pelo povo tem sido ultimamente uma tendência crescente em alguns países, dentre os quais, a Suíça figura como campeã mundial indiscutível. Mais   de um terço de todos os referendos realizados em nível nacional ao redor do mundo ocorreram na Suíça, onde é comum que o povo vote em questões federais a cada 3 meses; e só em 2022 chegou a 20 o número de lançamentos de iniciativas populares, que mesmo assim não superaram o número recorde atingido em 2011.

Discorrendo sobre “Democracia Participativa” (título que em verdade é uma redundância com objetivo retórico) Paulo Sérgio Novais de Macedo, (Revista de informação legislativa: v. 45, n. 178 (abr./jun. 2008), relata que em uma varredura do nosso texto constitucional encontrou outros 37 instrumentos da democracia além dos (Referendo, Plebiscito e, Iniciativa Popular) citados no seu artigo 14, acrescentando, ainda, que diversos instrumentos da democracia participativa não estão direta e expressamente previstos na Constituição, mas na legislação infraconstitucional. Nesse trabalho, esse autor apresenta argumentos segundo os quais a Democracia Participativa compreende uma participação universal, com todas as formas e mecanismos que existirem e que forem criados para ampliar os espaços de participação da sociedade nas decisões políticas e nos atos da administração pública. Foi com base em tais princípios que a Assembleia Constituinte de 1987 pretendeu instalar no Brasil a Democracia Semidireta, ao juntar no artigo 14 de nossa Constituição Cidadã (a mais democrática que já tivemos)  os instrumentos pertinentes ao conceito de Democracia com os de República (sufrágio universal e voto direto e secreto com valor igual para todos), mas se esqueceu, entretanto, de preparar o povo de maneira oficial e formal para o exercício do papel que lhe caberia na condução do país a partir daí: o do exercício pleno da Cidadania. Resultado: pode-se dizer que desde 1988, como ações verdadeiramente democráticas, tivemos no país apenas a promulgação de 4 projetos de iniciativa popular; uma vez que a convocação dos 3 plebiscitos  e
dos 2 referendos realizados nesse período  foram iniciativas do Congresso Nacional. A continuar assim a política no Brasil continuará sendo como seria o trânsito de veículos sem a existência da CNH. Que seja bem vindo o projeto de lei em tramitação no Congresso que introduz o ensino da política em nossas escolas.

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Julio Vasques Filho é Professor Doutor aposentado da Esalq-USP

 

 

 

 

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