Almir Pazzianotto Pinto
São dramáticos os relatos de sobreviventes do cataclisma que se abateu sobre o Rio Grande do Sul. Famílias perderam absolutamente tudo. A catástrofe não fez distinções. Assolou ricos e pobres, patrões e empregados, empregadores rurais e urbanos, crianças, jovens, adolescentes, adultos e idosos, vacas leiteiras, gado de corte, animais domésticos, deixando, para traz, oceano de dor e miséria.
Após tamanha destruição outra coisa não resta a fazer senão recomeçar. Os sobreviventes enfrentarão desafios superiores àqueles que conheceram os imigrantes do século 19, ao desembarcarem em Porto Alegre, vindo de países distantes, como Itália, Espanha, Alemanha, Polônia, Libano e Síria. Sem recursos, contando com a inteligência e a coragem, se lançaram ao trabalho e foram vitoriosos. Basta conhecer Caxias do Sul, São Leopoldo, Novo Hamburgo, Canoas, a Serra Gaúcha.
A pandemia do Covid-19 provocou a interrupção das atividades em dezenas de milhares de empresas. Obrigadas à inatividade não dispunham de recursos para liquidar obrigações com impostos, fornecedores, prestadores de serviços e empregados. Como manter em dia folha de pagamento, se não faturavam? Controlada a pandemia, já se encontravam em condições de abrir as portas, ligar a rede elétrica, colocar máquinas e equipamentos a funcionar, voltar a produzir, vender, faturar e receber. Não se registraram grandes perdas materiais.
No Rio Grande do Sul a situação é oposta. Baixando as águas aos níveis históricos, restarão milhares de toneladas de destroços para remover e depositar em lugares distantes, seguros, protegidos contra a contaminação. Não haverá como de imediato recomeçar. Manter empregados inativos e as correspondentes folhas de pagamento em dia, será obviamente impossível. O atraso de meses de salários e encargos provocará endividamento impossível de ser quitado.
Rompimentos de contratos serão inevitáveis. Ainda que o Ministério do Trabalho possa tentar impedir, será impossível cumprir as exigências das leis trabalhistas e previdenciárias. Mal conseguirá o empregador suportar despesas vitais com a família.
Estamos frente a situações em que se exige o respeito aos princípios de boa-fé e razoabilidade. A Constituição protege o emprego contra “despedida arbitrária ou sem justa causa”. Arbitrário, segundo os dicionários, é algo que depende apenas do arbítrio de quem age. Em centenas de municípios afetados, as responsabilidades recairão sobre inundações, falta de energia elétrica, impossibilidade de chegar ao trabalho e de manter em operação serviços públicos essenciais.
É impossível ignorar o impacto do motivo de força maior, “acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente”, conforme definição do artigo 501 da CLT.
Na Roma dos Imperadores já se dizia: Ad impossibilita nemo tenetur. Ninguém pode ser obrigado ao impossível. Trata-se de princípio elementar do direito, que não se deve ignorar. O juiz que exigir do devedor cumprimento de obrigação notoriamente impossível, não será magistrado justo, mas cego, surdo e insensível algoz.
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Almir Pazzianotto Pinto, advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST)