A mitologia grega e as redes sociais

Clovis Vaz Filho

A mitologia grega e as redes sociais, embora separadas por milênios, compartilham uma fascinante intersecção com a política contemporânea, oferecendo um prisma através do qual podemos examinar a natureza humana e sua interação com o poder. Neste contexto, a figura do mito de Eco e Narciso se destaca como particularmente relevante para uma análise comparativa.

Na mitologia grega, Eco era uma ninfa que perdeu sua voz, condenada a repetir as últimas palavras de outros, enquanto Narciso, um jovem de beleza incomparável, apaixonou-se por sua própria imagem refletida na água, incapaz de desviar o olhar de si mesmo até a morte. Essas narrativas, ricas em simbolismo, encontram um paralelo intrigante nas dinâmicas das redes sociais e na política contemporânea.

As redes sociais, como os mitos de Eco e Narciso, refletem e amplificam características humanas fundamentais: a busca por reconhecimento, a necessidade de pertencimento e a obsessão por autoimagem. Políticos contemporâneos, assim como Narciso, muitas vezes se veem refletidos na adulação e na atenção que recebem em suas plataformas digitais, correndo o risco de se tornarem deslumbrados por uma imagem idealizada de si mesmos, alimentada pelos “likes”, compartilhamentos e comentários positivos. Essa busca incessante por validação pode levar a uma desconexão com a realidade, onde a imagem pública e a autopercepção se tornam distorcidas.

Por outro lado, a figura de Eco ressoa na maneira como o discurso político é ecoado nas redes sociais, muitas vezes desprovido de profundidade ou análise crítica. Assim como Eco, os usuários das redes sociais frequentemente repetem informações, slogans e ideologias sem um exame cuidadoso, ampliando vozes sem necessariamente entender ou questionar o conteúdo. Essa repetição acrítica contribui para a formação de câmaras de eco, onde ideias e crenças são reforçadas em um loop fechado, isolando os indivíduos de perspectivas divergentes.

Ademais, a mitologia grega oferece uma visão sobre a natureza transitória do poder e a importância da sabedoria, humildade e perspectiva crítica. Deuses e heróis gregos frequentemente enfrentavam consequências severas por seu orgulho e falta de autoconhecimento. Da mesma forma, na política contemporânea, a falta de reflexão crítica e a incapacidade de se engajar com visões opostas podem levar a decisões prejudiciais e a uma desconexão com as necessidades e desejos da população.

Essa análise comparativa revela como os mitos antigos podem iluminar aspectos da condição humana que continuam relevantes na era digital. A mitologia grega, com suas histórias de poder, orgulho e consequências, oferece uma lente valiosa através da qual podemos examinar as complexidades da política contemporânea e o papel das redes sociais na sociedade moderna. Assim, ao refletir sobre essas narrativas milenares, podemos ganhar insights sobre os desafios e oportunidades que enfrentamos hoje, buscando uma maior autenticidade, empatia e diálogo construtivo na esfera pública, tão importantes para a consolidação da democracia.

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Clovis Vaz Filho, empresário de comunicação e consultor político.

 

 

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