A vida é escrita a lápis 

Lucas Rossi dos Santos

Um grande amigo de infância teve de ir embora. Foi-se assim, como quem já tava cansado. Não conseguimos nos despedir e nos abraçar. Nem tive a oportunidade de ouvir aquele seu jeito especial e engraçado de dizer: “Ê Ziiiiii… ê Zidaneeeeee”.

Fizemos, ainda muito novos, muitas maluquices. Tínhamos um acordo infalível de nunca tirar mais de cinco nas provas e de uma vez na semana matar aula. Muita gente ficaria triste de ficar de recuperação, mas nós comemorávamos. Era o máximo ficar para as aulas de reforço.

E isso nos levou a sermos melhores amigos inseparáveis durante um tempo. Éramos nerds duma matéria que só nós dominávamos bem: bomba, repetência, ou bem dizendo, quase não passar de ano. Combinávamos também de fazer exatamente o contrário do que a nós era mandado. Que talento que a gente tinha pra isso, meu amigo…

Juntos, somamos inúmeras expulsões no colégio pelos comportamentos indevidos. Éramos péssimos de acatar ordens. E ótimos em tomar broncas. Incontáveis às vezes que enlouquecemos a Dona Cida e a Dona Sandra — nossas mães. Os pais também não ficavam de fora, Seu Fermino e Seu Gil viviam dando puxões de orelhas do outro lado também.

Fora os resgates das batidas de carro e conserto de pneus furados pelas ruas de Piracicaba. Eu, depois de uns anos, tive de me mudar para o Rio de Janeiro. A certa altura, Fabiano veio me visitar e passar uns dias lá em casa comigo. Foi ano novo. Lembro-me bem que aprontamos um monte por tudo quanto é canto que passamos: praias, boates, pagodes e até mesmo no prédio onde eu morava na época.

O que rendeu foi uma multa para o meu pai pagar. Mas incontestavelmente, foi divertido. A minha dupla de fazer besteiras, hoje me deixou só aqui. Já estou pensando em como vai ser difícil preencher esse buraco. Mas “a vida é escrita a lápis” — uma outra pessoa muito especial que também teve de ir embora, uma vez me disse isso. E é mesmo, ainda em vida, nosso adolescente rebelde, se tornou um grande homem e um grande atleta. Campeão de Taekwondo e professor de educação física. Um homem da saúde, um homem de fé. Que encarou com todas as forças as doenças que o acometeram. Nada é escrito a caneta aqui nesse mundo. A vida muda a gente. E é pena constatar que a gente é que não vai mudar a vida. Nem curar a morte e suas feridas. Malditas sejam as doenças que adoecem nossos corpos e almas Que nos perseguem e acabam com tudo antes da hora. Fabiano lutou muito mas não resistiu. A saudade hoje bate firme como quem luta Taekwondo. Uma porrada de perna tão forte, que levantar dessa vai ser difícil. Seguiremos assim, com essa lembrança alegre, de um menino sorridente, feliz e inquieto. Daqui do mar onde estou, te saúdo, meu velho amigo. Obrigado por tanto. Levarei você para sempre comigo, Você, nossas memórias e a nossa mais poética canção: Ê Ziiiiii. É Fá. É o bonde do ZiziFafá… Te amo, meu irmão. Nos vemos em breve.

______

Lucas Rossi dos Santos , cineasta piracicabano, reside no Rio de Janeiro

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima