Dirceu Cardoso Gonçalves
A sanção, pelo governo da Venezuela, da lei que anexa ao território daquele país a província de Essequibo, grande reserva mineral pertencente à Guiana, é um enorme risco. É de se esperar que o empreendimento legal não passe de uma bravata do ditador Nicolás Maduro para arrebatar os votos – e com isso conseguir representatividade junto ao povo de seu pais, prestes a realizar uma eleição presidencial cheia de vícios. Se a anexação for efetivamente para valer, é motivo de preocupação para todos os países do continente, especialmente o Brasil, que possui fronteiras extensas com os dois países conflitantes e – mais ainda – para a Venezuela acessar Essequibo, tem de trafegar por território brasileiro, coisa que as Forças Armadas de nosso País já definiram como inaceitável.
Espera-se que, da mesma forma que criticou as artimanhas de Maduro para afastar opositores da eleição, o presidente Lula tenha o necessário equilíbrio de chefe de Estado do maior país do continente para atuar pela paz e, até, como árbitro da questão, que não pode e nem deve ser resolvida pela força.. Como vizinho comum dos dois contendores e com os repentes que tem demonstrado de se converter em líder internacional, chegou a hora do presidente brasileiro mostrar seus dotes sem, necessariamente, desembarcar num dos lados do conflito. E nem correndo o risco de ser acusado – como quando questionou as eleições viciadas, de estar atuando a serviço dos Estados Unidos. O mais útil que tem a fazer é evitar que os yankees, diretos interessados econômicos na área de Essequibo, venham a reagir contra a investida venezuelana. Uma guerra na área não interessa a ninguém, da região, inclusive à própria Venezuela que, num conflito, teria seu povo exposto a novas privações e dificuldades.
Lula, se realmente ambiciona ficar para a história como liderança internacional, precisa acabar com o antigo vício de babar ovo para ditaduras como a de Cuba, Nicaragua, da própria Venezuela e até para o esquema de Vladimir Putin, na Russia. Tem de aproveitar suas relações amistosas com essa gente para evitar que entrem em conflito com os demais países e imponham dificuldades ao próprio povo e aos que nem os conhecem e muito menos apóiam seus regimes totalitários.
Sempre vimos Lula discursando em favor da democracia e, para desapontamento geral, agindo como parceiro de ditadores. Nada contra a amizade, mas que ela tenha limites e não atrapalhe a vida de população. Parece estar chegando a hora de atuar como algodão entre frascos que guardam explosivos. Se eles quebrarem e o conteúdo se misturar, o resultado não será bom e as consequências serão imprevisíveis.
O Brasil e sua diplomacia têm raízes pacifistas. Desde a criação da Organização das Nações Unidas, quando nossos representantes tiveram atuação destacada, já participamos de grande número de missões de paz. Além do proselitismo de conferências, enviamos nossas tropas para garantir a segurança de áreas conflagradas e consolidamos uma extensa folha de serviços. Agora, no arroubo de Nicolás Maduro, amigo pessoal de Lula, é a hora em que nossos préstimos mais uma vez se apresentam como artigos de primeira necessidade.
Presidente Lula, por favor, mostre sua cara e demonstre ao mundo que é um pacifista. Assim, talvez, a comunidade internacional ainda o reconheça como figura diferenciada. Tente demonstrar que sua amizade com ditadores não representa submissão, mas o ensejo de, com esse relacionamento, poder mediar e evitar conflitos e sofrimento do povo envolvido. Coroe sua trajetória de forma positiva e humanitária, enquanto ainda há tempo para isso. Mas tome todas as cautelas para que sua ação ajude a solucionar r o conflito, sem que haja o risco de nele meter o nosso País…
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Tenente Dirceu Cardoso Gonçalves, dirigente da Associação de Assistência Social dos Policiais Militares de São Paulo); e-mail: [email protected]