Liga o celular!

Camilo Irineu Quartarollo

“Durante o cerco de Jerusalém no ano 70, diariamente (!), quinhentos ou mais judeus aprisionados eram pregados voltados para a cidade, a ponto de faltar madeira e lugar para cruzes” – Do livro Evangelho de Marcos, Comentário Esperança, de Adolf Pohl, fl. 311, Editora Evangélica Esperança, 1986.

Se houvesse um celular na época seria mais convincente ainda, com maior realismo do fato histórico, todavia o exegeta traz presente um fato de mais de dois mil anos.

Muitos genocídios foram observados na História em vários lugares do mundo. O que mais se evidencia é o Holocausto, recente, de sete décadas passadas.

Sem escarafunchar os documentários e filmes de Spielberg, o jovem que não viu esse evento, pode testemunhar o genocídio em Gaza em tempo real no seu celular.

Estão bem estampadas as crueldades feitas contra o povo palestino, aos quais Israel os privam até de ajuda humanitária e atiram contra pacifistas, funcionários da ONU e contra jornalistas credenciados, mas os celulares furam o bloqueio.

Parece que o estado de Israel pretende falar por todos os hebreus e capitalizar o sofrimento todo do holocausto, cujo mal afetou de fato todos os judeus e muitos ciganos, homossexuais e pessoas com necessidades especiais. Foi real, mas pode se tornar apenas uma marca na boca de quem não honra a vida humana e a de seus ancestrais.

As guerras começam com a indiferença às periferias, aos desfavorecidos. Não é comigo! Não sou judeu, palestino, periférico, gay, mulher, nem transexual. Entretanto, na humanidade de meu ser, sou como todos esses e essas.

O que está longe parece não nos afetar, pois é lá no Oriente médio, no Rio de Janeiro, na Baixada Santista e, epa, é em Piracicaba, no Cantagalo.

Em São Paulo um jovem branco e rico, de Porshe em altíssima velocidade, matou um motorista de aplicativo. A jovem mãe do criminoso deu um passa-moleque nos policiais e levou seu menino antes do bafômetro e do flagrante. Como conseguiu?!

Por ironia, em Piracicaba o crime alegado foi desacato e desobediência. Os policiais teriam seguido o cidadão por dentro da própria casa, agredindo a ele e ao pai cadeirante, conforme consta da gravação veiculada pelas redes sociais, jornais e TV.

Na ocasião, o celular dos piracicabanos serviu para evidenciar a ação policial. A reportagem não informa se os policiais portavam câmeras no uniforme, mas que se instaurou Inquérito para apurar os fatos e se afastaram os agentes em serviço.

Os celulares tão comuns podem proteger o cidadão anônimo, assim como as Câmeras Corporais resguarda o bom policial no cumprimento de seu mister, inclusive melhorando os protocolos de abordagem e coleta de dados para a inteligência da corporação.

Ainda que pese o flagrante de dois civis apanhando da polícia dentro de casa, não houve tiros ou balas perdidas, mas o que houve?

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Camilo Irineu Quartarollo, escrevente e escritor, ensaísta, autor de crônicas, historietas, artigos e livros, como o Contos inacreditáveis da Vida adulta

 

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