Marcos Le Fosse
Os operadores do direito, por vezes, não se aprofundam em um tema muito interessante e amplo de nosso arcabouço legal, em especial às questões atreladas ao contrato de seguros.
Lembro-me que nas minhas aulas de direito contratual na faculdade que tive apenas poucos momentos acerca de tal tema, vendo de forma superficial as minúcias de tal operação.
Não obstante, ao longo de muitos anos atuando na área, pude me deparar com erros técnicos constantes na área jurídica, por exemplo, já verifiquei várias decisões judiciais onde o próprio magistrado confundia a terminologia correta para salientar o dever de indenização da seguradora, a um segurado perante um evento de dano, instrumentalizado por um procedimento de sinistro devidamente regulado com negativa de pagamento inicialmente.
Nesses casos supramencionados, a decisão citava que a seguradora teria o dever do “pagamento de prêmio ao segurado”, absurdo técnico, ainda mais tendo em conta que prêmio é a cifra financeira paga pelo segurado à seguradora, visando a garantia de dado risco compreendido nos termos das condições gerais e particulares de um contrato de seguro pactuado.
Outra confusão, relativamente comum na seara técnica citada, é confundir o significado do termo “endosso”, pois enquanto sob égide mercantil tal mecanismo possa salientar uma possível transferência de titularidade de um título de crédito, na área securitária, trata-se de quaisquer aspectos modificativos dentro de uma apólice, ou seja, uma alteração simples de um item segurado, por exemplo, gerará um endosso com numeração própria, tais peculiaridades acabam por impor dificuldades a muitos advogados.
Destarte, feitas tais exposições iniciais, gostaríamos aqui de expor um interessante universo de operações judiciais, pouco exploradas ou, ao menos, exploradas por poucos profissionais, qual seja, a cobrança judicial de certos tipos de seguros.
Mas podemos cobrar prêmios de seguros, inclusive judicialmente, na hipótese de inadimplência? A resposta é sim, se estivermos em uma modalidade de risco decorrido, ou seja, situação em que o ente segurador oferece primeiramente a garantia, para depois realizar a devida cobrança / faturamento do prêmio.
No site do grupo Mapfre, uma das maiores seguradoras do mundo, podemos verificar uma definição prática e objetiva para tal instituto, a saber:
Risco decorrido
Denomina-se o risco que tenha sido coberto durante um período de tempo anterior ao pagamento. Nesse sentido, considera-se, por exemplo, em uma apólice adquirida por um período de 12 meses (desde 1º de janeiro até 31 de dezembro), a qualquer momento e dentro deste prazo, que o risco foi aceito ou decorrido desde o dia 1º de janeiro até esse momento.
https://www.fundacionmapfre.com.br/publicacoes/dicionario-mapfre-seguros/risco-decorrido/
O tema é tão pouco explorado que, em uma simples consulta sob o tema “risco decorrido” e seguros, no TJSP, no campo de jurisprudência, tivemos poucas respostas a título de acórdãos!
Ora, nem por isso devemos duvidar da real possibilidade de desenvolvimento da prática aqui sugerida, conquanto, um dos nichos mais interessantes para atuação é na cobrança de prêmios de seguros de transportes rodoviários de cargas, cujas cifras valorativas são expressivas já que levam por base taxas incidentes sobre as cargas informadas pelos transportadores, que são os segurados nesta contratação.
Existem diversos ramos de seguros, que envolvem vários modais logísticos, que talvez, em outro momento, poderemos tecer maior aprofundamento, mas mister aqui salientar que tivemos uma nova lei, que adentrou recentemente no nosso arcabouço jurídico, a lei 14599/2023, que impôs aos transportadores, dentre outras obrigações:
Art. 3º. São de contratação obrigatória dos transportadores, prestadores do serviço de transporte rodoviário de cargas, os seguros de:
I – Responsabilidade Civil do Transportador Rodoviário de Carga (RCTR-C), para cobertura de perdas ou danos causados à carga transportada em consequência de acidentes com o veículo transportador, decorrentes de colisão, de abalroamento, de tombamento, de capotamento, de incêndio ou de explosão;
II – Responsabilidade Civil do Transportador Rodoviário por Desaparecimento de Carga (RC-DC), para cobertura de roubo, de furto simples ou qualificado, de apropriação indébita, de estelionato e de extorsão simples ou mediante sequestro sobrevindos à carga durante o transporte.
Vale dizer que a cobertura de perdas ou danos causados à carga transportada em consequência de acidentes com o veículo transportador, já era obrigatória pela lei 8.374/1991, porém agora temos a modalidade que envolve os ilícitos, anteriormente englobados pelo antigo ramo RCFD-C, outrora facultativo, assim acreditamos que o mercado deve ser muito otimizado tanto para corretores, seguradores e, claro, para os operadores do direito.
Pertinente dizer aqui que, conforme o art. 27, do decreto lei 73/66, é possível a cobrança por meio executivo de tais prêmios inadimplidos, algo que aumenta substancialmente a possibilidade de manejo processual para recuperação creditícia.
Em tempo, feitas as aduzidas ponderações, concluímos esse rápido estudo reiterando: temos um universo muito interessante de atuação, para profissionais que buscam um nicho de desenvolvimento que ainda carece de sobressaltada gama de profissionais, ademais, imperioso dizer que a legislação salientada tende a trazer mais dinamicidade ao mercado, abrindo diversas oportunidades a serem exploradas, tanto sob a ótica técnica securitária, quanto legal. |