Hanseníase: as marcas deletérias

João Salvador

A hanseníase é uma doença infecciosa milenar, de evolução crônica e endêmica em diversos países, inclusive no Brasil. Seu agente causal é a bactéria Mycobacterium leprae, antigamente conhecida como lepra ou mal de Lázaro, depois, como bacilo de Hansen, por ter sido identificado por Gerhard Henrick Armauer Hansen, em 1873.
Os mais acometidos são as pessoas de baixa resistência imunológica, de vulnerabilidade social e econômica, o que sugere uma maior política pública de saúde. Seus sintomas mais conhecidos são as manchas na pele, que não oferecem sensibilidade a um beliscão. Alterações dos nervos periféricos – sob a pele –, a redução ou perda da sensibilidade térmica, tátil e da força muscular, principalmente nos braços, mãos, pernas e pés, joelhos e cotovelos – região de menor concentração de sangue –, perdas de pelos. É disseminada pelas gotículas da saliva durante a fala, pela tosse e espirros. Possui alto poder infectante, porém de baixo poder patogênico, infecta muitas pessoas e poucas adoecem. Calcula-se que 90% da população é resistente à carga bacilar transmitida. O tratamento leva de seis meses a um ano, baseando-se na associação de antibióticos e outros medicamentos, formando uma poliquimioterapia – PQT.
Antes, ocorriam os bate-cabeças entre os médicos, sem encontrarem uma definição sobre a cura efetiva da doença, bem como de que forma era transmitida. Enquanto isso, havia o isolamento, aliás, até hoje no Brasil, em colônias leprosárias, de maneira discriminatória, de grandes transtornos psicossociais entre familiares. Hoje, apesar de muitas dúvidas para identificar os sintomas, os médicos estão mais bem preparados para diagnosticar e tratar a doença com maior objetividade. Diante de queixas dolorosas nos músculos e articulações, com poucos achados ao exame físico, os efeitos iniciais da hanseníase podem ser ocultados ou até mesmo confundidos com a Fibromialgia – dores reumáticas. Ambas as doenças podem ocorrer concomitantemente, de tal forma que é melhor desconfiar da similaridade dos sintomas e inves tigar melhor, caso necessário, tratar cada qual, separadamente.
A vigilância deve ser constante e de alerta à população de qualquer classe social, para que trate com base nos sintomas clínicos e epidemiológicos. Sem a devida atenção, a doença, embora de progressão lenta, que age na “surdina”, se agrava, deixando os seus contornos agravantes no sistema nervoso periférico, sequelas graves e irreversíveis, como deformidades físicas, danos na pele, nos olhos, na mucosa nasal, perda da sensibilidade ao tato e uma grande fraqueza muscular. Quanto mais cedo for diagnosticada e tratada, melhor é a resposta de cura, sem os agravantes posteriores.
Somente os que ouviram relatos emotivos sobre os danos físicos e emocionais, decorrentes da hanseníase, podem avaliar e se conscientizar sobre a importância dos cuidados que devem ser tomados no combate a essa doença. Um breve relato de um hansênico que sentiu as dores do preconceito, da discriminação, a exclusão social, situação dolorosa e constrangedora:
“Para uma entrevista de emprego escondeu as manchas e os danos físicos nas mãos; durante o namoro, apenas a namorada sabia, ninguém mais, para não “melar” a união; pior ainda, era o medo de transmitir a doença aos filhos; nas danças de salão, com as mãos deformadas, dedos encarquilhados, em direção à palma da mão, a dança era interrompida, porque a parceira julgava-se sexualmente assediada pelos arranhões em sua cintura e pela mão boba deslizante; em uma viagem a trabalho, hospedado em um pequeno hotel, uma ferida purulenta no joelho, decorrente da doença, deixou uma mancha de sangue no lençol, por essa razão, foi transferido para outra e adequada pousada; pisões em pregos sem nada sentir, e a amputação de dois dedos do pé para se ajustar ao calçado adaptado; queimaduras e machucados, sem perceber; constantes fisgadas ou agulhadas nos nervos dos membros superiores e inferiores, cãibras e dores; o aceno apenas com o punho”. Triste realidade, mas serve de alerta, visto que o Brasil é o segundo país com o maior número de casos no mundo, ficando apenas atrás da Índia.

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João Salvador, biólogo; e-mail: [email protected]

 

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