Paraísos artificiais

Ari Junior

 

Charles Baudelaire escreveu sobre esse tema no seu livro de mesmo título. Ali ele analisa os efeitos de três psicotrópicos muito famosos da época, o haxixe, o ópio e o vinho. Suas observações ficaram famosas, ao mostrar como sorrateiramente essas substâncias vão tomando conta do corpo do seu usuário, até leva-lo a uma dependência tal que mal se distingue a realidade da fantasia, e extrapolaram a fronteira francesa a ponto de cantores e cineastas brasileiros usarem essa expressão para darem uma nova roupagem ao significado tão intrigante dessa expressão.

Hoje também quero me apropriar desta, a fim de dar-lhe uma roupagem mais atual. O nosso cérebro produz a dopamina, um neurotransmissor que atua no chamado ‘sistema de recompensas’. De forma simples, quando fazemos algo que gostamos, que nos dá prazer, essa sensação é dada para nós pela dopamina. Assim, quanto mais um comportamento ou ação nossa produza dopamina, mais iremos querer repeti-lo para estarmos sempre obtendo essa sensação. Dessa forma, comportamentos e hábitos que liberam essa substância acabam se tornando nossos ‘Paraísos Artificiais’, ou seja, muletas que nos conduzem a um bem estar que não é real, não é concreto, e dos quais precisamos de cada vez consumir aquela substância ou praticar aquele comportamento para podermos sentir a mesma intensidade de prazer.

Dito isso, olhemos em nosso aparelho de celular e vejamos quantas horas passamos nele, e em quais aplicativos. Pensemos se tivéssemos usado metade desse tempo gasto ali para uma leitura, seja técnica ou apenas recreativa, aumentar nossa espiritualidade, ou para visitar um parente, um idoso, ou mesmo termos feito ações de caridade. Usemos o mesmo critério para os programas de TV, os seriados e nosso lazer preferido. Não estou aqui defendendo qualquer apatia, insociabilidade ou coisa do gênero. Estamos apenas analisando, o quanto nossos paraísos podem ser apenas artificiais, mascarando nossa capacidade e obrigação (até por uma evolução natural) de enfrentarmos a realidade da vida como adultos. Tudo de forma exagerada é nocivo à nossa vida, e os prazeres estão incluídos nessa lista. Somemos a isso a exposição maluca a que somos submetidos nas opções de diversão, prazeres, compras desnecessárias, sonhos impossíveis de viagens, obtenção de bens materiais, relações efêmeras e numerosas. Essa ‘generosidade abundante’ do mundo atual quer vender-nos a ideia de que estamos cansados da rotina, somos merecedores do melhor e por isso, temos o direito de curtir a vida, de vivermos na plenitude, e tantas outras promessas. O fato é que, ao darmos vazão a isso, o cansaço sobrevém exatamente do exagero no tempo de relaxamento, da diversão, do desligamento da realidade, e isso só vai alimentando uma sensação de prazer que precisa de cada vez mais estímulo, colocando-nos num círculo vicioso que vai nos exaurir mentalmente, nos deixar ansiosos de ter, saber ou ver o próximo passo, a próxima compra, o próximo episódio, numa expectativa frustrante e sem fim.

A receita é simples e podemos resumir numa palavra: EQUILIBRIO. Usemos o que nos dá prazer para realmente descansarmos da nossa rotina, mas não transformando o que nos dá prazer em nossa rotina, descolando-nos da realidade do mundo que está aí fora, esperando para ser descoberto, vivido, explorado e vencido por nós. Criemos para nós, usando do equilíbrio, um Paraíso real, onde sim, temos dificuldades diversas, mas que é contrabalanceado com o amor de nossos próximos, a satisfação dum trabalho realizado com perícia, o prazer do bem praticado ao próximo sem espera de recompensa, e por fim, uma satisfação tal qual a do nosso Criador, ao olhar a obra construída ao longo de nossos anos e constatarmos que tudo foi muito bem feito.

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Ari Junior, escritor, comprador

 

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