Água, dom de Deus

Antonio Oswaldo Storel

O profeta Ezequiel, no capítulo 47 do seu livro bíblico, traz à nossa reflexão a seguinte passagem: “Fez-me sair pela porta do norte e contornar o templo do lado de fora até o pórtico exterior oriental; eu vi a água brotar do lado sul. Essas águas, disse-me ele, dirigem-se para a parte oriental, elas descem à planície do Jordão; elas se lançarão no mar, de sorte que suas águas se tornarão mais saudáveis. Em toda parte onde chegar a torrente, todo animal que se move na água poderá viver, e haverá grande quantidade de peixes. Tudo o que essa água atingir se tornará são e saudável e em toda parte onde chegar a torrente haverá vida. Ao longo da torrente, em cada uma de suas margens, crescerão árvores frutíferas de toda espécie, e sua folhagem não murchará, e não cessarão jamais de dar frutos: todos os meses frutos novos, porque essas aguas vêm do santuário. Seus frutos serão comestíveis e suas folhas servirão de remédio”.

Pensando em como deve ter nascido o nosso Rio Piracicaba na obra divina do Criador, a força dessas palavras bíblicas ressoam em nosso íntimo, alicerçadas pela força da nossa fé e sentimos a grandiosidade do dom divino com que o Criador nos cumulou. A santidade com que essas águas fecundaram tudo por onde elas passaram. A variedade de peixes a que elas deram vida e estes, por sua vez, deram vida  a tantos seres humanos. A mata ciliar, alimentada pelas águas, em suas raízes, oferecendo as mais variadas espécies de frutos como alimento para pássaros, animais e gente. Folhas milagrosas que curaram tantas doenças (homenagem ao Dr. Walter Acorsi, abnegado cientista das plantas, que tantos doentes ajudou).

Mas chegou um tempo em que toda essa beleza da natureza começou a sofrer os impactos do que chamamos de “civilização”. Ou seja, o ser humano, percebendo toda essa grandeza do dom divino, começa a aglomerar-se no seu entorno, procurando servir-se dele para sua vida. Das águas, além de saciar a sede, tirava seu alimento e utilizava o caminhar da torrente para abrir novos caminhos serpenteando as matas.

Mas a infinitude dos dons oferecidos, como diz a Bíblia, não foi tratada com o devido respeito pela insensibilidade humana. Além de retirar dele tudo o que podia, o peixe como alimento, a própria água, os frutos, as folhas para a cura, a madeira da mata, começou a utilizá-lo para despejar nele toda sorte de detritos, contaminando-o e tirando a vida de milhares de seres vivos, animais e plantas. Ainda hoje, a cada tempo, as matanças de peixes mexem com a nossa indignação e os órgãos técnicos dizem que é a falta de oxigênio.

Os templos que jorravam a água abençoada, ou seja, as nascentes que alimentavam seus afluentes foram desaparecendo todas pela ganância do agro negócio no manejo agrícola, ávido por mais um pedacinho de terra para plantar e colher dinheiro. Dentro do perímetro urbano, a especulação imobiliária avançou de forma avassaladora sobre os espaços onde as águas vindas do céu penetravam e alimentavam o lençol subterrâneo que vinha à luz com nascentes em vários cantos da cidade. Tudo ficou impermeável com a pavimentação para os carrões deslizarem sem trepidação.

Bastou a providência divina suspender temporariamente o ciclo natural das águas com a ausência das chuvas, transformando o caudaloso rio numa triste imagem pétrica e o povo todo ficou desesperado com a possibilidade de falta do bendito líquido. Os que estudam os fenômenos climáticos nos alertam para problemas ainda mais graves, como o aquecimento global e a incontrolável poluição do ar. Leis rigorosas foram elaboradas e colocadas em vigor, mas a deficiência na fiscalização do seu cumprimento ainda permite que as ações predatórias continuem a acontecer.

Muito se fala, muito se escreve, porém de concreto nada vemos para repor à natureza o necessário equilíbrio ecológico que na nossa ânsia desenfreada fomos destruindo, deixando um triste legado aos nossos descendentes. Que Deus nos perdoe a todos e nos ajude a descobrir a forma correta de reparar nossos erros.

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Antonio Oswaldo Storel, membro do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba (IHGP), foi vereador e presidiu a Câmara Municipal de Piracicaba

 

 

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