Lições da História: a esperança vem dos Quilombos

Adelino Francisco de Oliveira

Em tempos de pensamento único no campo econômico, com o neoliberalismo; de alienação religiosa, com o fundamentalismo e a teologia da prosperidade e de posturas extremamente pragmáticas na política torna-se imprescindível revisitar a história, buscando ampliar as referencias para o debate tão necessário sobre as utopias, vislumbrando outras possibilidades de arranjos sociais. O ponto de partida fundamental é a compreensão de que a cultura não é uma realidade estática, ela pode ser aberta e dinâmica, apontando para novos e até ousados horizontes. O novo sempre vem!

Apesar das profundas e gritantes injustiças sociais e ambientais, há ainda muitos que advogam que o capitalismo neoliberal representa o máximo de avanço de uma dada sociedade. Em uma concepção fundamentalista do campo econômico, há um coro uníssono a defender que já alcançamos o final da história e que não há outro caminho econômico para as sociedades fora dos limites do mercado. Se tal hipótese realmente fosse verdade, os pobres estariam então fadados ao total abandono e desespero, sem nenhuma possibilidade histórica de uma existência com acesso aos bens mais básicos. O neoliberalismo representa na verdade o fracasso de um modelo social, pois não é capaz de atender às demandas fundamentais nem da vasta maioria da população nem do meio ambiente.

O projeto do Brasil colonial, sedimentado na exploração e opressão da população negra, com a escravidão, também se apresentava como o único modelo possível de organização social. Para os escravocratas da época, o único sistema viável era o colonial escravista. Sob as bênçãos da religião oficial, a economia colonial significou, não sem intensa resistência e muita luta, a morte para os indígenas e também para os negros. Com práticas mais sutis de exploração e opressão, a ordem neoliberal procura perpetuar no tempo histórico a lógica de uma sociedade de privilégios e oportunidades apenas para uma minoria. Em nome do princípio da justiça, torna-se imperativo hoje se vislumbrar outras formas de organização social, suplantando o modelo profundamente excludente que quer se apresentar como o fim da história.

No passado colonial, a população negra, imbuída da utopia de um mundo de justiça e liberdade, forjou a realidade dos quilombos. Importante destacar que os quilombos se constituíam como forma alternativa de organização social, acolhendo todos os oprimidos da época. Em um quilombo se abrigavam negros, indígenas e todos os demais excluídos socialmente. O quilombo só se tornou uma realidade viável na medida em que os oprimidos passaram a se organizar e se unir para lutar e suplantar o sistema colonial. O quilombo é resultado da força que brota da união da população mais espoliada e alijada de todos os direitos.

A experiência dos quilombos é mesmo paradigmática. No quilombo ninguém passava fome nem ficava sem abrigo, sendo as moradias construídas a partir de mutirões; o trabalho era coletivo e toda a produção era compartilhada, de maneira a suprir as necessidades básicas de cada quilombola. Para os negros escravizados e todos os demais oprimidos no contexto do Brasil colonial, o quilombo foi sempre um sinal reluzente da mais profunda esperança. É urgente agora se projetar novos quilombos, na perspectiva de forjar outras dinâmicas de organização econômica e política, em um modelo de sociedade no qual todas as pessoas e também a natureza tenham lugar. Eis a bela utopia que bebe na fonte da experiência política dos quilombos!

 

Adelino Francisco de Oliveira, professor do Instituto Federal de São Paulo, campus Piracicaba, Doutor em Filosofia e Mestre em Ciências da Religião; [email protected]

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