Júlio Vasques Filho
Sob a égide da democracia, a liberdade para empreender e assumir os riscos de fazê-lo acompanhada de competição entre os empreendedores é a fórmula que faz com que cada consumidor possa decidir qual, para si, é o produto com melhor qualidade e o preço mais compensador e, portanto, o seu preferido. É dessa forma que também “emana do povo” todo o poder de decidir quais dos empreendedores irão ou não ser bem-sucedidos. Contudo, nem sempre as circunstâncias permitirão que se recorra a tal fórmula nesta sua expressão mais simples, porque nem sempre haverá quem se disponha a investir em um determinado empreendimento por mais importante que ele seja para a sociedade. Em tais circunstâncias a sociedade como um todo, representada pelo governo, poderá assumir indireta e justificadamente a iniciativa e os riscos de investir e de gerenciar tal empreendimento. Nesse caso o estado deverá recorrer a formas alternativas que permitam a participação popular direta em investimentos desse tipo da maneira mais coerentemente possível com a ideia de que o que deve prevalecer como sendo o melhor modelo para o país é o princípio de que “produzir bens e serviços para a sociedade e assumir os riscos de fazê-lo é definitivamente responsabilidade do povo; cabendo tão somente aos seus representantes a responsabilidade de se utilizarem dos instrumentos jurídicos de que dispõe, e que podem criar, para garantir que esse processo se dê de forma legal, justa e eficiente”. Em não sendo assim, a sociedade estará correndo os riscos de assumir os resultados dos erros e da incompetência do governo, com mínima chance de corrigi-los, e o poder do povo estará sendo desrespeitado por estar o governo competindo com o cidadão comum em ação intervencionista contrária à livre iniciativa e ao estado democrático de direito. É com base em nesses princípios que os convênios médicos, as escolas particulares, as parcerias público-privadas e as concessões do estado continuam ganhando espaço em nosso país. A privatização segue uma linha de raciocínio fundamental para a prática da democracia que os apoiadores de ideologias ditas de esquerda trabalham para que seja extinta no Brasil, o que poderá gerar resultados indesejáveis como o que ficou demonstrado com o escândalo do “Petrolão”. Mas, os fatos e dados ainda apontam outras razões além da corrupção que nos permitem afirmar que estatização não é a melhor opção como forma de fornecimento de bens e serviços à sociedade. As estatais brasileiras devem fechar o ano de 2023 com um rombo de quase 6 bilhões de reais, e o tesouro nacional, ou seja, o povo, terá que cobrir esse déficit, o que deverá ser sentido principalmente pelos mais pobres. No Brasil 35 milhões de pessoas vivem sem água tratada e cerca de 100 milhões não têm acesso à coleta de esgoto. Mesmo assim, bilhões de reais de nosso dinheiro foram gastos no escândalo das empreiteiras priorizando a realização de obras no exterior. Se nos últimos 20 anos a educação, a saúde, a segurança e o saneamento básico no Brasil ainda se encontram em situação lamentável, não há porque acreditar que as coisas possam melhorar se continuarem a ser feitas do mesmo jeito. A maioria dos eleitores paulistas está ciente de que, embora a privatização não evite totalmente a possibilidade de ocorrência de corrupção, esse é um mal menor comparativamente a todos os males que a estatização representa. A privatização da Sabesp foi uma decisão soberana dos eleitores paulistas de acordo com o jogo democrático, ao escolher Tarcísio de Freitas para governador. Em vista disso espera-se que sejam devidamente punidos judicialmente os envolvidos na realização da ação terrorista de invasão da Alesp na tentativa de impedir uma decisão legal.
Júlio Vasques Filho, professor aposentado da Esalq-USP