Piracicaba e o Plano Diretor (2)

Antonio José Lásaro Aprilanti

Em complemento ao artigo anterior, e na qualidade de arquiteto e urbanista que participou ativamente da criação do órgão encarregado do planejamento urbano de Piracicaba, de ter sido secretário e exercido o cargo durante onze anos, não consecutivos, nos condiciona a tratar do assunto de forma a esclarecer a verdade dos fatos, do que deveria ter acontecido e não aconteceu.

A proposição essencial do Plano Diretor era a implantação de uma equipe técnica na estrutura da prefeitura municipal, que acompanharia o desenvolvimento dos trabalhos contratados e assumiria a continuidade dos mesmos através da sua equipe técnica aí implantada. Esse procedimento estava enfatizado no edital de contratação dos trabalhos para a elaboração do primeiro Plano Diretor da cidade conforme já dito no artigo anterior.

Esse plano, infelizmente, não chegou a ser aprovado pela Câmara Municipal no primeiro governo do prefeito Adilson Benedito Maluf (1973/1976) por questões políticas. Como sucessor do Adilson foi eleito João Herrmann Neto (mandato de 1976 a 1982 – tinha passado a ser de seis anos) que havia sido secretário de Obras Urbanas nos dois últimos anos do governo do Adilson, e me convidou para ocupar a Secretara de Planejamento com o objetivo de concluir e aprovar o Plano Diretor.

De início, e por iniciativa do prefeito, foi alterada a estrutura administrativa e a Secretaria de Planejamento foi reformulada passando a denominar-se Cemuplan – Centro Municipal de Planejamento, que era presidido pelo prefeito, composta por todos os secretários da administração e tinha como Secretário Executivo o Secretário de Planejamento. Essa estrutura era bem mais ampla que a anterior uma vez que possibilitava a reestruturação e montagem de uma equipe de planejamento bem como de contratação de acessórias especiais, enfim muito mais ágil.

Os trabalhos do plano foram retomados, entretanto, após um ano de gestão, por problemas políticos à época, pedi demissão do governo e os trabalhos permaneceram novamente parados.

No segundo governo do prefeito Adilson Maluf (mandato de 1983 a 1988), fui novamente convidado para exercer a presidência do Cemuplan com a predisposição de retomar a discussão do Plano Diretor. Os trabalhos foram retomados com a mesma pequena equipe técnica existente e, com o propósito de aprovar logo no início da gestão a legislação pertinente evitando debates prolongados e intermináveis, foi encaminhada à Câmara Municipal uma legislação básica abordando os aspectos urbanísticos de Uso e Ocupação do Solo, contendo restrições e normas de edificação para que o município tivesse o mais rápido uma legislação básica o que se efetivou com a aprovação da Lei 2.641/1985 aprovada em 04/01/85.

O Plano Diretor concebido propunha a organização da cidade com bairros setorizados, com uma densidade populacional controlada de forma que a administração municipal exercesse o controle sobre o uso e ocupação do solo, pudesse prever e planejar, em função da população local, a necessidade de reserva de área para escolas, creches, postos de saúde, e outros equipamentos urbanos, criava uma série de disposições para uso e ocupação do solo e hierarquização das principais vias urbanas. Esse trabalho deveria ser desenvolvido e detalhado pela equipe de planejamento da prefeitura acompanhando o dia a dia das necessidades da cidade.

Um exemplo claro desse descontrole pode ser observado em vários bairros periféricos da cidade, particularmente na região da avenida Dois Córregos. Na administração que participei, mesmo sem o Plano aprovado, conseguimos, pela atuação efetiva do órgão de planejamento, várias conquistas. A Rodovia do Açúcar faria parte do Anel Viário da cidade representado o limite da área urbana e de crescimento da cidade. O loteamento Santa Rita foi aprovado como ocupado por chácaras visando uma ocupação de baixa densidade populacional.

Essas diretrizes faziam parte da legislação do Plano não aprovado. Hoje o que se verifica é a liberação total, sendo que a região de Dois Córregos, para além do Rodovia do Açúcar, está sendo ocupada por uma quantidade enorme de prédios gerando alta ocupação populacional, o que gera um fluxo de trânsito intenso, sem uma via de acesso adequada. Esse mesmo fenômeno pode ser verificado no região do bairro Campestre, Rolador e na Pompéia. A Avenida Dois Córregos, pensada como uma via perimetral, tem apenas dois trechos de seu trajeto com alargamento – na altura do número 1.400 e 1.600 -, aprovado à aquela época. O mesmo fato pode ser constatado nas avenidas de acesso aos bairros anteriormente mencionados.

A Lei 2.645 de 04/01/1985 que dispunha sobre o Sistema Viário do Município, estabelecia em seu: “Art. 1º:  É criado o Sistema Viário Básico do Município de Piracicaba, integrante do Plano Diretor de Desenvolvimento, com o objetivo de definir hierarquicamente as vias públicas de circulação urbana, prever sua expansão aumentando as oportunidades de transporte e diminuindo custos e tempos de deslocamentos”. “Art. 8º – O Sistema Viário está demonstrado graficamente na Planta do Sistema Viário Básico, que constitui parte integrante desta lei”. “Art.18º – O CEMUPLAN – … deverá promover o detalhamento do Sistema Viário Básico, propondo a adequação de vias existentes às regulamentações técnicas desta lei, bem como definição das obras complementares, necessárias às conexões das vias públicas, tais como trevos, passagem de nível, praças de contorno e retificação de curvas”, estabelecia ainda: “Art. 19 – As faixas de domínio das vias públicas do Sistema Viário Básico serão fixadas por decreto do Executivo, acompanhadas do projeto técnico de execução e memoriais justificativos”.

Conforme pode-se constatar, toda essa legislação, bastante explícita, deixou de ser cumprida e, pelo contrário, foi alterada de forma inconsequente, muitas vezes sob o título: “Revisão do Plano Diretor”, cujas alterações acabaram por suprimir conteúdo legal de extrema importância para a cidade. Nesse aspecto a Câmara Municipal teve grande responsabilidade pois consentiu em alterações para pior sem uma discussão técnica mais aprofundada.

A cidade é dinâmica e o seu crescimento fatalmente exigiria o acompanhamento desse processo, o Plano Diretor não é um documento estático, exige estudo e acompanhamento através de uma equipe técnica preparada e atuante no dia a dia da cidade, coisa que até hoje a cidade não dispõe.

Mesmo depois de ter deixado a administração pública, continuei participando das discussões de assuntos referentes à legislação urbana representando a Associação dos Engenheiros e Arquitetos da cidade, ou mesmo como profissional autônomo e tenho sentido a falta de uma discussão mais profunda dos problemas urbanos, mais recentemente renascido com a discussão referente à preservação do património cultural e turístico da Rua do Porto e da fábrica da Boyes. Espero essa visão sobre a cidade tenha efeito positivo.

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Antonio José Lásaro Aprilanti, arquiteto e urbanista, ex-secretario de planejamento de Piracicaba

 

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