A Nostalgia do Ano Novo

Adelino Francisco de Oliveira

 

A chegada de um novo ano é sempre um convite e uma bela oportunidade para se repensar a vida e as relações humanas. O ano novo não deixa de nos provocar para que busquemos alternativas políticas, projetando outras possibilidades de vida em sociedade, sempre tendo a justiça, o direito e a ecologia como referências. Reinventar a vida é o grande desafio que se descortina em cada passagem de ano. Mas é preciso antes se enfrentar e vencer todo sentimento de medo, de apatia e de acomodação, de maneira a deixar com que o novo irrompa com a aurora.

A mais profunda nostalgia do futuro! É possível sentir saudades de um tempo que ainda não existiu? O final de um ciclo, com o término de um ano, e o início de um outro tempo, com a chegada do novo ano, pode despertar, indubitavelmente, a nostalgia de uma realidade que ainda nem chegou a existir. Ao mirar o horizonte, podem despontar os sentimentos de angústia, de vazio e de desolação. Diante dos preparativos festivos da virada do ano passamos a vislumbrar um futuro carregado de incertezas, sendo tocados pela nostalgia de tudo que ainda não vivemos.

Quando a utopia deixa de ser a referência para o futuro! A passagem de um novo ano deveria reacender as chamas dos melhores sonhos e despertar para as mais altas expectativas. Seria mesmo de encher os olhos a contemplação de um futuro imediato, trazido no bojo do ano novo, celebrando um mundo de possibilidades abertas. Essa talvez seja a memória guardada por trás das festividades em torno do novo ano. No entanto, a despeito de todas as esperanças, o capitalismo neoliberal se lança contra todas as utopias, apontando para um tempo de penúria, demarcado pelo princípio econômico da austeridade, que exige sempre o sacrifício do pobre e da própria natureza. Podemos afirmar que a politica neoliberal avança em 2024 – e este é um difícil prognóstico.

O neoliberalismo e o fim da história para os pobres e para o meio ambiente! O novo ano se aproxima, mas as pessoas observam, perplexas, os desdobramentos da economia de mercado, que insiste em crescer, retirando os já tão parcos direitos sociais e ambientais. Mesmo em um governo historicamente crítico ao mercado, a classe trabalhadora pena na luta pelos direitos mais básicos. A experiência mais preocupante agora é o da Argentina, com um governo profundamente alinhado aos interesses do capital e menos comprometido com os anseios dos trabalhadores. O novo ano parece não apontar para grandes perspectivas de transformação social e ambiental.

Reinventar as utopias! É isso, apesar de todos os desencontros e desencantos também no campo da política, com o despontar do neofascismo ultraliberal, que insiste em reproduzir a doutrina do pensamento único, o novo ano deve ser marcado como um tempo de se resgatar os sonhos, as perspectivas utópicas. O novo sempre vem! Torna-se urgente se recriar a política, em uma dinâmica incansável de reconstrução social, pautando uma outra economia e cultura.

Repensar a vida, a política e as relações humanas! O que a chegada de um novo ano é capaz de suscitar? A nostalgia de um tempo que nunca existiu? As esperanças em um futuro de possibilidades? A reprodução de uma forma de vida que se revela insustentável? De qualquer maneira, o ano novo pode se constituir como tempo fecundo para o despertar. Rara oportunidade para que se abram as janelas da política, dos relacionamentos em geral, vislumbrando e forjando a utopia de outros horizontes sociais, econômicos, ecológicos e culturais.

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Adelino Francisco de Oliveira, professor do Instituto Federal de São Paulo, campus Piracicaba, Doutor em Filosofia e Mestre em Ciências da Religião

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