O Natal e o silenciamento da Teologia

Adelino Francisco de Oliveira

 

Os sinos dobram, pois é Natal! Apesar de toda crise, de todo o caos e do pensamento débil que tomou as sociedades, os sinos ainda dobram! Apesar das mudanças climáticas, de tantas guerras genocidas desde Belém, apesar do neoliberalismo e dos projetos neofascistas, é novamente Natal! Eis que o menino Jesus renasce, com todo o simbolismo de sua manjedoura. Mas como interpretar o Natal, agora que já nos entregamos, cinicamente, à adoração a Mamon? Agora que já nos fizemos surdos à mensagem verdadeira, que já não há mais lugar para as utopias, o que a celebração do Natal tem a nos ensinar?

A própria teologia parece ter sido derrotada, em um tempo em que as Igrejas, com seus templos suntuosos e midiáticos, oferecem, performaticamente, o milagre, a fé em troca da generosidade monetária dos fiéis. Sem exegese nem hermenêutica, cada liderança religiosa, levada agora por um pragmatismo míope e pouco evangélico, passa a ensinar o que vier em sua cabeça ou mesmo aquilo que melhor apontar para resultados quantitativos. É urgente encher os templos e também os cofres, abrindo mão de qualquer mensagem mais genuína. O fato é que já não há mais lugar para a teologia em seu ofício de descrever o significa mais profundo e verdadeiro do evento do Natal.

Mas a manjedoura permanece, os sinos insistem em dobrar, anunciando o nascimento do frágil menino Jesus. Qual a verdade incômoda, inconveniente inclusive em relação aos melhores padrões de consumo, que o Natal vem trazer? Por que esses inoportunos teólogos não se calam de vez, aceitando e se rendendo à superficialidade a que o cristianismo tem sido reduzido? Ah esses teólogos da libertação, parece que não se cansam nunca de propor leituras e interpretações bíblicas fundamentadas em estudos e pesquisas, atualizando a revelação cristã sempre a favor da causa da justiça, contra os privilégios dos ricos e em defesa da natureza e dos mais pobres. Por isso é preciso silenciar a teologia: o que se conta é apenas a prosperidade, a retribuição, mesmo que seja tão somente para alguns poucos.

Mas qual a novidade do Natal? O que o menino Jesus na manjedoura ainda pode ensinar? Qual é essa novidade teológica que pode cair como um raio, que se revela como o assombro, a blasfêmia para os racistas, os neofascistas? Já não bastasse Jesus ser acolhido em uma manjedoura, em comunhão com a natureza e em solidariedade com os pobres, agora querem também afirmar que ele era negro! Ora, ora, que heresia é essa? O menino Jesus que nasceu no Natal, deitado naquela manjedoura, nunca foi branco nem tinha olhos azuis. E agora? É melhor que os teólogos continuem silenciados, para que a mentalidade colonizada não se desmanche abruptamente no ar.

O mundo perplexo celebra um novo Natal! O silenciamento da teologia tem sido a estratégia fundamental para poder corromper a beleza, profundidade e radicalidade da mensagem cristã. Deus assumiu a condição humana e veio habitar entre os mais pobres, os condenados da terra, proclamando a Boa Notícia, demarcada pelo tempo da justiça, do direito, da libertação e da paz. Para um mundo que segue indiferente ao outro, ao pobre, o Natal é sempre uma experiência de desconforto existencial. Os símbolos que permeiam o menino Jesus na manjedoura precisam ser ignorados, para que o sistema siga seu rumo, por isso o silenciamento brutal do pensamento teológico. Mas a manjedoura e o Deus-menino estão lá, como metáforas vivas para o desespero e perdição dos indiferentes, dos racistas, dos neoliberais empedernidos.

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Adelino Francisco de Oliveira, professor do Instituto Federal de São Paulo, campus Piracicaba, Doutor em Filosofia e Mestre em Ciências da Religião; e-mail:

[email protected]

 

 

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