À Sua imagem e semelhança?

Sergio Oliveira Moraes

 

 

O início do versículo 26: “E disse Deus: façamos um homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança…” e o 27: “Assim Deus criou o homem à sua própria imagem, à imagem de Deus o criou; macho e fêmea ele os criou” (Capítulo 1 do Livro do Gênesis, BKJ 1611), vieram-me com a notícia: “Prefeitura quer duplicar Alidor Pecorari e criar estacionamento em área tombada” (JP, 02/12).

Vieram por conta do que li e guardei na memória, algo assim: “a destruição da natureza pelo homem me leva a desacreditar que fomos feitos à Sua imagem e semelhança. Deus nos deu um jardim para viver e o estamos destruindo”. É o que sinto por estas bandas.

Diante das perdas: Pinacoteca Municipal “Miguel Dutra”, Unimep Taquaral, Empem (a quantas anda o processo de tombamento dos edifícios da Escola de Música?), o Observatório Astronômico de Piracicaba “Elias Salum”, a Praça Antônio de Pádua Dutra – só para ficar nas perdas recentes, consumadas – me sinto inseguro para utilizar a expressão: “Piracicaba, a nossa terra”. Escolho, então, a expressão: “por estas bandas”.

Fecho o parêntesis e sigo: estamos cuidando dos jardins, das praças ou os deixamos à mingua, os abandonamos para que os moradores da proximidade fiquem indignados, inseguros e peçam uma solução? Ai, a “amizade”, o amor por Piracicaba: “vamos fazer um estacionamento”, “um empreendimento comercial”. Prefiro a sinceridade doída do jornalista Samuel Wainer para um Nelson Rodrigues necessitado que invoca sua amizade: “Eu não tenho amigos. Tenho interesses”. (Cito de memória, da biografia de Nelson escrita por Ruy Castro).

Prefiro-a a ouvir que o “Boulevard Boyes é um presente para Piracicaba”. O “Cavalo de Troia” também foi um presente dos gregos para os troianos e de dentro dele “Homens vieram da noite/Em gritos de guerra/Feriram a terra/O céu e o mar”, licença Poetinha. O “Cavalo”, digo, o “destombamento”, para desfigurar a “Boyes”, a paisagem, o Rio, agora é proposto também para a Alidor Pecorari, o campo de futebol União do Porto, a antiga Casa do Artesão, transformados em “bolsão de estacionamento” (“bolsão”, aumentativo de bolso, coincidência).

À Sua imagem e semelhança? Destruir árvores, canteiros, gramados, áreas de infiltração da água de chuva, espantar pássaros para acolher buzinas, veículos, gás carbônico, “bolsões” de estacionamento? Acreditam os comerciantes da região que tornar a paisagem agressiva, trocar o verde pelo asfalto, pelo calor, irá ajudar os negócios? Computaram os custos dos condicionadores de ar, da conta de energia? O que esconde o “Cavalo” o presente? “Eu não tenho amigos. Tenho interesses”.

Para quem puder e quiser, o Movimento Salve a Boyes convida a população, arteiros, artistas, poetas, seresteiros, namorados, que é chegada a hora de se manifestar e cantar, talvez as derradeiras noites de luar, na orla do nosso rio (com sua licença, Gil), para sábado 9, às 9 horas – encontro em frente ao Mercado Municipal e depois caminhada pela Governador até a Praça José Bonifácio, com término previsto para 11h30. Aliás, com término na Praça José Bonifácio, a Praça da Catedral, que hoje tem também um espigão horrível, bolsão de estacionamento. À Sua imagem e semelhança? Tá!

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Sergio Oliveira Moraes, físico e professor aposentado Esalq/USP

 

 

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