Lembranças de um velho aldeão (13)

Thales e a “vontade de outra vez”

 

Cecílio Elias Netto

 

Piracicaba agradeceu a iniciativa da 4ª FliPira em reverenciar a grandeza de um dos nossos mais notáveis conterrâneos: Thales Castanho de Andrade. Foi emocionante de causar lágrimas. Pelo menos as deste caipira de coração mole. Thales é patrimônio cultural da nação, não apenas de Piracicaba. Seu pioneirismo, alertando sobre a dignificação da natureza, tornou-se, tanto tempo depois, ainda mais providencial.

E eis que, às recordações, fui tomado de um misto indefinível de saudade e de nostalgia. Indefinível, repito-o, por ter-me, também, trazido momentos de ainda mais ação de graças. Quanto a agradecer! Quantas lembranças, recordações convidando-me a contar coisas. Dizem-me – a consciência e a razão – o quanto devo a pessoas especiais desde a infância. Algumas delas de importância fundamental ao árduo – mas sedutor – mergulho na vida literária. Entre esses mestres estão João Chiarini e Thales Castanho de Andrade, o caipira sedutor. Eram amigos da nossa família. Quando vinha a Piracicaba, Thales pedia a Chiarini levá-lo a saborear os quibes de Dona Amélia, minha mãe.

Às qualidades e grandeza de Thales de Andrade, hei que destacar sua generosidade. Até hoje, tento entender um episódio que me marcou a vida. Foi aos meus ainda perturbados 18 anos. Para o meu susto – e medo – fui convidado a fazer uma palestra em Tatuí, durante a famosa Semana Paulo Setúbal, emérito escritor.

Todos me estimulavam, aumentando-me ainda mais os receios. Ora, se tivesse coragem de aceitar o convite, sobre qual tema iria, eu, discorrer?  Naquela tarde, um ex-professor que também nos visitava, sugeriu: “As reticências de Paulo Setúbal’. Sim, reticências. Não me esqueço do seu olhar desafiador. O mais temerário me abalou quando me disseram que eu iria falar antes de Thales de Andrade,o homenageado daquela semana literária”. Teorizar sobre reticências antes da oração de Thales de Andrade?

Absurdamente, aceitei. Audácia dos 18 anos, loucura ou irresponsabilidade de jovem? E aconteceu. Na noite aprazada, fomos juntos a Tatuí. Ao lado de Thales, tremi.E acabei discorrendo sobre as reticências do gênio de Tatuí, cujo filho era o poderoso Olavo Setúbal. Logo em seguida, viria a oração de Thales. E ele, a seu modo de ser, levantou-se pachorrentamente. Olhou para o público, fitou-me e disse: “Depois das palavras desse jovem, não tenho nada a dizer. Obrigado.”

O público ovacionou. Todos sabiam não se tratar de mérito meu. Era a grandeza, a generosidade dele. Tornei-me aprendiz. Sou-o ainda. E também vaidoso de o tão amado Thales oferecer-se a prefaciar o meu primeiro livro, “Um Eunuco para Ester”. Que privilégio! Agora, tornamos a homenageá-lo. E isso lembra que, a seu tempo, houve como que um culto à sua obra. Renderam-lhe graças personalidades como Lourenço Filho, Sampaio Doria, Júlio de Mesquita Filho, Menotti Del Picchia, Affonso de Taunay, Affonso Celso, Oswaldo Aranha, Sud Mennucci, entre tantos outros. E presidentes de toda a América Latina, encantados com sua obra.

Não me esqueço de ele contar-me dos embaraços para editar o livro “Saudade”.  Alguns o alertavam sobre a dificuldade de crianças entenderem o sentimento da saudade. Thales fez um teste com seus alunozinhos. Um deles dizia ter saudade “das férias na casa da avó”; outro, saudade do “doce de goiaba da tia”. Então, mais um disse: “Tenho saudade de minha mãe que morreu.”

A este aprendiz da vida, resta o orgulho de ter sido próximo de Thales de Andrade. E de ter saudade, como o Mário de seu livro síntese. E saudade é “vontade de outra vez”.

_____

Cecílio Elias Netto, escritor, jornalista, decano da imprensa piracicabana

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima