Dirceu Cardoso Gonçalves
A eleição de Javier Milei, para a presidência da Argentina, é a maior novidade política do momento. Surgido como desafiante do tradicional e ultimamente problemático peronismo, o economista, ex-comentarista político e autodenominado libertário é o assunto. A Argentina é um grande país; em consequência, analistas do mundo inteiro buscam, em seus comentários, antever o que será o seu governo, principalmente como concretizará suas promessas básicas, de dolarizar a economia e liquidar o Banco Central Argentino. A grande interrogação é de como fará para dolarizar os negócios sem ter dólares no cofre e não dispondo mais do Banco Central, onde se localiza a máquina de imprimir dinheiro. Isso só será possível – advertem – recuperando a confiança internacional na economia portenha para que os investidores voltem a operar no mercado local e, com isso, o coloquem em alta.
Com toda essa apreensão internacional, somos de opinião que o Brasil tem uma posição diferenciada nesse quadro. Em qualquer das configurações políticas vividas, Brasil e Argentina sempre foram bons e solidários parceiros. Será um grande desperdício se as diferenças ideológicas entre Lula e Milei vierem a esfriar as relações de bons vizinhos. O que nesse momento nos tranquiliza é a notícia de que o presidente Lula despachará o vice-presidente Geraldo Alckmin para representar o governo brasileiro na posse do novo mandatário portenho. Alckmin é o contrapeso na formulação política brasileira, constituindo forte elemento de equilíbrio nas hostes governamentais. Indo a Buenos Aires, não correrá o risco de enfrentar hostilidades decorrentes do emba te eleitoral (como pode ocorrer se Lula se fizer presente) e, de quebra, além de representar o governo, também será o interlocutor econômico, na condição de Ministro da Indústria, Comércio e Desenvolvimento. Os dois países detêm uma corrente comercial de US$ 30 bilhões ao ano e o Brasil é o segundo parceiro da Argentina, ficando atrás apenas da China. Poderá ainda ampliar os negócios se Milei concretizar o propósito anunciado em campanha de diminuir as relações com países comunistas.
Lula e Milei, sem terem de abrir mão de suas posições político-ideológicas – Lula à esquerda e Milei à direita – precisam ter discenimento para seus alinhamentos não prejudicarem a tradição e a boa vizinhança entre brasileiros e argentinos. Nada impede que, no respectivo território cada um tente fazer prosperar seus ideais sem que isso possa destruir relações já consolidadas como as comerciais entre as duas nações (as maiores economias do continente), o Mercosul, os acordos automotivos e uma série de outros empreendimentos de interesse político e econômico comuns. Uma situação nova não deve atuar na direção da desativação de relacionamentos anteriores e bem sucedidos.
Milei não deve estranhar que Lula tenha tentado ajudar os peronistas, com quem têm identidade ideológica e Lula não tem o direito de atuar para atrapalhar os planos do governante recém-eleito. Devem, preferencialmente, observar a autodeterminação e a independência dos países. E, na medida do possível, pautar as relações pelos pontos de convergência, deixando em segundo plano aquilo em que são divergentes. Até porque cada um terá de dar conta à sua Nação de tudo o que realizar de bom ou de ruim.
Não cabe a nós, brasileiros — mesmo com a simpatia e compromissos do nosso governante com os regimes de esquerda — atuar para impedir que a direita (ou o centro) ganhe eleições e passem a governar outros países. Cabe-nos respeitar a soberania alheia da mesma forma que exigimos respeito à nossa. É, entre outras coisas, por essa razão, que reputamos como de alta importância e significado a designação de Geraldo Alckmin, esse grande conciliador brasileiro, para nos representar na festa da posse de Milei. Pelo equilíbrio e sobriedade de sua longa vida política – de vereador a vice-presidente da República, passando por todos os postos intermediários – o entendemos o homem do atual governo mais apropriado para ir a essa festa e dela trazer a consolidação da paz e do bom relacionamento com os nossos irmãos do sul.
A nós cumpre torcer e, se pudermos, atuar para que os governos dos dois países consigam cumprir suas metas e melhorar a vida do povo e que – para o bem-estar geral, sejam justos e solidários entre si.
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Tenente Dirceu Cardoso Gonçalves, dirigente da Associação de Assistência Social dos Policiais Militares de São Paulo; e-mail: [email protected]