Camilo Irineu Quartarollo
Retornaram ao Brasil trinta e duas pessoas, refugiados brasileiros oriundos da Gaza devassada. Dentre estas, mais da metade, dezessete, são crianças com a bandeira brasileira na mão. Muitas destas, já estigmatizadas como “terroristas”, mas não jogaram um pedregulho contra os tanques israelenses. Há uma memória coletiva do sofrimento nelas e um lúdico simples de quem vive a infância e a vida adulta misturadas. Algumas têm de se posicionar no grupo como líderes por falta de mãe ou pai mortos.
Gaza está entre as populações mais jovens do mundo. A taxa de natalidade é alta e vale aos palestinos o que foi dito a Noé, pai dos semitas, linhagem dos palestinos e hebreus: “crescei-vos, multiplicai-vos e enchei a terra”. A média de idade entre os palestinos é de dezoito anos e quarenta e sete por cento de jovens com menos de dezessete anos, conforme Palestinian Central Bureau of Statistics.
As casas de Gaza não têm a segurança das feitas em Israel. Em um minuto e meio do toque da sirene ensurdecedora os judeus correm ao bunker, um quarto de paredes grossas. Em Gaza, contudo, ao ouvirem os zumbidos dos mísseis ou verem a fluorescência do fósforo branco explodindo, pressentem a morte próxima e reúnem-se todos no mesmo lugar, como refugiados em sua própria pátria. Olham-se nos olhos, escrevem seus nomes nos braços e partes do corpo, geralmente as crianças têm nomes nas costas também, pois é uma forma de serem identificados no hospital ou sepultura.
As raposas têm suas covas e ninhos as aves do céu, mas as crianças de Gaza não têm onde se recostarem desse pesadelo incessante. As sequelas psicológicas acompanham suas crianças, assombradas o tempo todo, com medo de ir ao banheiro, urinam-se à noite, dormem todas juntas como se fosse o último encontro.
As imagens que nos vem pela Net são de cortar o coração, como se diz por aqui. Crianças em agonia, em seus últimos soluços de choro, tentando mamar o seio que lhes foi tirado pela guerra. Corpinhos mutilados, tremendo pelo delirium tremens, operadas sem anestesia em Al-ahli, al-Nasser ou em Al Shifa atacados, ou mesmo entregues a Allah num lençol branco.
Algumas não sairão dos escombros ou se verá alguma parte de seus corpinhos numa Gaza devassada, inclusive nos hospitais bombardeados, os quais, a princípio o estado israelense negava os ter atacado. As crianças, os velhos e reféns são tratados como detalhes, incômodos, que se vê depois.
“Israel não negocia com terroristas” é o jargão da ultradireita sionista. Ora, os reféns não merecem uma chance de vida, são mártires?! O que se tem são mísseis sobre todo o campo para eliminar qualquer criatura viva do lugar!
Oxalá, um dia, a fronteira seja uma alameda frondosa de frutíferas e corajosas tamareiras, figueiras e mostardeiras, cujos frutos se atirem sobre as cabeças dos transeuntes, nada mais.
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Camilo Irineu Quartarollo, escrevente e escritor, ensaísta, autor de crônicas, historietas, artigos e livros