Salve a Boyes!       

Camilo Irineu Quartarollo

 

Quase toda a região da orla do rio Piracicaba é tombada como patrimônio público. Ali repousa um misticismo ancestral, onde os antigos habitantes faziam suas fogueiras, assavam seus peixes e à beira do fogo e do rio falavam com Deus e enterravam seus mortos, o local foi o cemitério dos Paiaguás. As pontas de flechas, cerâmicas ainda não catalogadas ou coletadas podem sumir sob a brutalidade das escavadeiras do empreendimento imobiliário sobre a Boyes tombada. O jornalista Cecílio Elias Neto evidencia que ali é área assombrada e duvida que alguém lá queira morar.

Nesse projeto de construção de espaços comerciais térreos e quatro torres residenciais de noventa metros, esses arranha-céus seriam de quase um quarteirão na vertical!

Uma arquitetura agressiva que se projeta em sombra sobre a Rua do Porto, a qual vai estrangular os acessos aos condomínios próximos do Carrefour ou aos que se deslocam para os bairros contíguos, como o Glebas Califórnia, Jupiá, Marins, Paud’alhinho e outros.

Se esse projeto contra a Boyes for em frente, as atividades culturais no Engenho podem sofrer restrições pelos sons dos festejos, Paixão de Cristo, Festa das Nações e shows, os quais já incomodam moradores dos prédios de bairros acima. Do lado esquerdo do rio ainda temos os ribeirinhos da Rua do Porto, os quais como os peixes da Piracema não arredam pé. A maioria do povo é contrária a essa desfiguração do patrimônio, ou melhor, descaracterização.

Um imóvel tombado não pode ser destruído, ou mesmo descaracterizado, o que as quatro torres, que mais parece filme de Harry Potter, fará à paisagem pitoresca e genuinamente caipira.

A propaganda do empreendimento usa os termos Preservação, Revitalização e Requalificação da Boyes tombada.

Preservar não é inovar, mas manter o original em bom estado. O telhado, as paredes, as janelas, os vitrôs, a pintura e limpeza do lugar, fazendo reparos necessários. Preservar o imóvel tombado não é congelar a memória num esqueleto de alvenaria morta, para simular preservação, nem é encetar obras novas, abrindo alicerces para mega construção de permeio. O lugar é para construção cultural, imaterial, não empreendimento imobiliário. Não é um prêmio de consolação a saudosistas, deixando uma capa rústica, pró-forma, da arquitetura original. A revitalização?! Não entendi bem, mas acho que estão falando de investimento, dinheiro, obras vultosas e vistosas. A finalidade legítima seria espaço para fins culturais, acesso coletivo, não exclusividade de moradores particulares cheios de bufunfa.

Requalificar?! Essa doeu. Vão mudar a qualidade do lugar? O que haverá é descaracterização do patrimônio.

O conjunto todo da Boyes é tombamento e seria para uso coletivo! O que há? Um boom imobiliário do “morar bem” que foge às características e à destinação coletiva desse tombamento. Por lá o povão sem voz não vai ter vez. Triste.

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Camilo Irineu Quartarollo escrevente e escritor, ensaísta, autor de crônicas, historietas, artigos e livros

 

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