Praça da Forca: Memória em Branco e Preto

 

Adelino Francisco de Oliveira

 

 

São várias as camadas de apagamento histórico, em um processo de longa duração, que sempre teve como propósito último invisibilizar a presença do negro na história de Piracicaba. A eficiência dessa estratégia racista se comprova na medida em que se consolidou, no imaginário popular, a percepção de que a cidade não guarda nenhuma identidade negra, esquecendo os muitos personagens pretos que circularam por aqui, forjando riquezas materiais e também muita cultura.

Sem monumentos, sem registros, sem memórias! Uma história paulatinamente desconstruída, apagando os rostos indígenas e negros que edificaram a cidade de Piracicaba. Outro dia um evento na Biblioteca Municipal resgatava o ciclo de imigração na história da cidade, celebrando portugueses, italianos, alemães, sírio-libaneses, judeus. No território que viceja o Batuque de Umbigada, a Capoeira Angola, o Maracatu, o Maculelê, o Samba de Lenço, inusitadamente ninguém se lembrou de convidar um representante da população negra para narrar e compartilhar suas memórias. Como se o negro e também o indígena não fossem fundamentais na dinâmica de construção da identidade na cidade, que traz, desde o nome Tupi-guarani, suas remotas raízes indígenas, sendo o lugar onde o peixe para.

Indígenas e negros simplesmente apagados da história, sem direito a monumentos, nem memórias. A redução da Praça da Forca em um mero estacionamento é bem ilustrativa de uma postura oficial de desprezo e de violência aberta contra a história negra na cidade. Na trilha dos vestígios dessa presença negra em Piracicaba, o grande professor Noedi Monteiro, pesquisador competente, tem se empenhado para compor um mapeamento dos pontos fundamentais que remontam e demarcam uma rota negra na cidade. A Praça da Forca, que agora não passa de um árido estacionamento, é um desses lugares de memória e referência negra.

É bem verdade que a Praça da Forca, mais conhecida como Praça do Rolo, já andava há muito abandonada pelo poder público municipal. Aliás como tantas outras praças públicas da cidade. Mas naquela praça existiam vinte árvores, compondo um espaço de sombra e refúgio bem na região central. Vinte árvores que foram impiedosamente ao chão, para dar lugar a um estacionamento, a serviço dos clientes do comércio e também dos fiéis da Igreja Universal. Esse é um caso emblemático, que não deixa de revelar o equívoco da concepção de progresso e desenvolvimento que orienta a atual gestão municipal. A polêmica em torna da antiga Fábrica da Boyes é outro exemplo do descaso e desrespeito da gestão pública com a memória histórica e cultural da cidade.

O tema mais urgente do contemporâneo tem sido a questão das mudanças climáticas. O próprio Papa Francisco publicou mais recentemente a Carta Encíclica Laudate Deum, aprofundando as reflexões sobre a ecologia integral e as mudanças no clima. A busca por soluções que promovam justiça ecológica e sustentabilidade ambiental tem se constituído como central para qualquer projeto de desenvolvimento minimamente ético. Contraditoriamente, em Piracicaba, vinte árvores vigorosas, saudáveis foram simplesmente derrubadas pelo poder público.

O caso da Praça da Forca talvez seja a síntese perfeita da atual gestão. Em uma só ação infeliz, que avilta muitos direitos, a prefeitura de Piracicaba conseguiu destruir um lugar simbólico de memória negra e, ao mesmo tempo, derrubar vinte árvores, avançando na contramão da visão contemporânea, que entende a importância de se preservar e até ampliar os espaços verdes pela cidade. Se não há lugar para a história da população negra, em um movimento de apagamento e invisibilização, tão pouco há respostas para os dramas ambientais que assolam o mundo contemporâneo.

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Adelino Francisco de Oliveira, professor do Instituto Federal de São Paulo, campus Piracicaba; Doutor em Filosofia e Mestre em Ciências da Religião; e-mail: [email protected]

 

 

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