Juliana Previtalli
Quem reside em Ártemis, distrito localizado às margens do rio Piracicaba, já deve ter visto, nas ruas, subindo e descendo em sua bicicleta, Ana Rosilei Rodrigues Araújo, mais conhecida como “Anona”, com seus 1,79m de altura, pedalando a Monark Barra Forte azul, tão robusta e resistente como ela.
Quando menina, nos anos 1960, morou numa fazenda da Usina Iracema, em Iracemápolis, em casa desprovida de água encanada, de luz elétrica e de esgoto. Sexta filha de uma irmandade de 12, Ana, desde muito cedo, trocara os lápis da escola pelo alfanje da roça — espécie de facão para cortar cana. Estudara somente dois anos, suficientes para a alfabetização. No campo, ajudara a colher arroz e feijão, a malhar ou a bater os grãos para encher os jacás — cestos de bambu—, repletos do trabalho árduo em que os dias começavam antes de o sol raiar e sem hora para findar. Atualmente, na maioria das propriedades onde se cultiva o arroz, utilizam-se máquinas colheitadeiras a fim de tornar o processo mais fácil e rápido para o agricultor.
Nos finais de semana, Ana reunia-se às irmãs e às vizinhas para lavar as roupas da família nas pedras às margens do ribeirão Cachoeirinha. Na volta, trazia, equilibrando no alto da cabeça, uma lata d’água.
Ana aprendeu a fumar aos 14 anos, quando Delécio, o pai, comprara casa na cidade, no loteamento popular da COHAB. Até tentou voltar a estudar à noite, mas chegava extenuada depois de passar o dia inteiro trabalhando no campo.
Costumava também levar o irmão mais novo, Sebastião, sequelado pela paralisia infantil, a sessões de fisioterapia custeadas pela usina. Carregando-o no colo, Ana não soube se haveria algum benefício da terapia com o forno. Em sua ignorância, o pai não aceitou que prosseguissem o tratamento, temendo que o filho fosse queimado.
O Forno de Bier, exemplo de termoterapia, consiste em um compartimento em formato de “U” invertido, colocado sobre a região a ser tratada e, dentro do qual, resistências elétricas geram calor. Promove o aumento da circulação por vasodilatação, além do relaxamento e da analgesia, entre outros benefícios.
Na família, somente a mãe, Inês, era tabagista. O vício do pai era a bebida. Quando ele descobriu que Ana fumava escondida, obrigou-a a fechar a boca com o cigarro aceso e a engoli-lo. O castigo, no entanto, não a fez parar de fumar.
Tumultuado, o ambiente familiar frequentemente agitava-se por rompantes de violência do pai contra a mãe, quase sempre gestante, ou contra ela mesma, ao confrontá-lo.
Certa ocasião, ao suspeitar que o pai possuía uma amante, entrou no porta-malas do carro e, escondida, flagrou a traição. Inconformada e, depois de certificar-se de que poderia permanecer anônima, subiu na bicicleta e foi à delegacia “dar parte do pai”. O delegado acolheu a denúncia e ele mesmo tratou do julgamento e da pena: um banho de chuveiro, gelado e demorado, sobre um piso com pregos pontiagudos.
Segundo a legislação brasileira vigente, traição não constitui crime desde o ano de 2005. Antes disso, a pena para tal crime previa até 6 meses de detenção para o cônjuge que cometesse a infração.
Ana vivia confrontando o pai. Se este a proibisse de sair, fugia pulando a janela e ia ao encontro das amigas no bailão. Foi mãe solteira, aos 20 anos, de uma menina — Itaís. Aos 24, mudou-se para Ártemis e casou-se com Francisco, moço estudado e com bom emprego no CTC — Centro de Tecnologia Canavieira —, orgulho do sogro. Teve mais 2 filhos — Diangra e Francisco — que não a impediram de seguir trabalhando. Empregou-se na Caterpillar como soldadora e, depois, como jardineira; no Hospital da Cana, atuou como auxiliar de limpeza. Essa também foi sua última ocupação, mas na Escola Professor José Martins de Toledo.
Neste ano de 2023, incentivada pela médica Janaína, com quem trata a diabetes, procurou-me, junto com a filha Diangra, para fazer o tratamento antitabagismo. Deixou para trás mais de 45 anos de vício no cigarro, com afinco e com persistência. Segue sua rotina com alegria de viver. Pedalando a Monark Barra Forte, todos os dias, busca o neto Miguel na escola. A bicicleta, robusta, faz jus ao nome — carrega o peso dela, 120 quilos, e o do menino, 50. Chegaram a oferecer-lhe R$1.500,00 pela “bike”, mas Ana diz que não está à venda — foi presente do marido.
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Juliana Previtalli, médica cardiologista, idealizadora do projeto Paradas pro Sucesso