Alberto Lamego, homem que caiu no esquecimento

Armando Alexandre dos Santos

 

Falei, no meu último artigo, da “Coleção Lamego”, um acervo muito apreciável que está à disposição dos pesquisadores, no Instituto de Estudos Brasileiros da USP. É uma riquíssima coleção de livros, opúsculos e manuscritos inéditos sobre temas brasileiros, sobretudo do período da formação do Brasil. Nunca entendi porque essa verdadeira mina de ouro, nos meios acadêmicos brasileiros, ainda esteja tão pouco explorada, quando fornece material mais do que suficiente para constituir o corpus de análise de inúmeras teses universitárias e é de facílimo acesso. Igualmente parece esquecido, e injustamente, o próprio formador dessa coleção, pelo que venho expor, para conhecimento dos leitores piracicabanos, alguns traços de sua vida.

Alberto Frederico de Morais Lamego nasceu em 1870, na cidade de Itaboraí, Estado do Rio de Janeiro, e faleceu aos 81 anos de idade, em 1951, na então Capital Federal. Era formado em Direito, tendo iniciado seu curso no Recife e concluído o mesmo em São Paulo, em 1892.

Estabeleceu-se na cidade de Campos, no Norte fluminense, onde trabalhou como advogado e colaborou ativamente na imprensa local. Foi também fazendeiro, plantador de cana, e dirigiu o Liceu de Humanidades de Campos. Não teve militância política.

Em 1906, com 36 anos de idade, transferiu-se para a Europa, inicialmente na França, depois na Bélgica, por fim em Portugal.

Rico, inteligente, homem de bom gosto e acurado preparo intelectual, aproveitou muito bem sua fortuna e as facilidades que esta lhe proporcionava. Frequentou assiduamente arquivos e instituições culturais européias, conseguindo copiar enorme quantidade de documentação primária sobre a História do Brasil. Frequentava também livrarias, leilões, antiquários, arquivos familiares, e foi pouco a pouco reunindo uma coleção de livros, mapas, manuscritos, telas, gravuras, objetos de arte, no seu gênero, única.

A sua vida, aparentemente tranquila, não faltaram percalços. Quando os alemães invadiram a Bélgica, durante a Primeira Guerra Mundial, Lamego se encontrava em Bruxelas, e receou que seu acervo fosse apreendido e roubado. Não havia tempo nem meios para transportá-lo a outro país mais seguro. Na aflição, recorreu a um artifício. Sabendo que os alemães respeitavam arquivos eclesiásticos, combinou com um monge amigo de os guardar em seu convento enquanto houvesse perigo. Mandou imprimir às pressas uma grande quantidade de ex-libris do convento, e marcou cada volume com ele. Foi isso que salvou o acervo.

Ao regressar ao Brasil, em 1920, já com 50 anos de idade, instalou na sua propriedade – o solar dos Airizes – o acervo acumulado em 14 anos de Europa, e continuou a extrair, daquela riqueza imensa, informações que lhe permitiram redigir algumas obras definitivas.

Entre as obras publicadas durante a estada na Europa e as que deu a lume depois do regresso ao Brasil, contam-se: A Terra Goytacá á luz de documentos ineditos, em 4 volumes, Paris, 1913; Autobiografia de Claudio Manoel da Costa, Paris, 1919; Verdadeira noticia do Apparecimento da Milagrosa Imagem de N. S. da Conceição que se venera na cidade de Cabo Frio, Paris, 1919; Mentiras Historicas, Rio de Janeiro, sem data; Papeis ineditos sobre João Fernandes Vieira, “Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro”, t. 75, parte II; A Academia Brasilica dos Renascidos, sua fundação e trabalhos ineditos, Paris-Bruxelas, 1923; O Mestre de Campo Francisco Barreto de Menezes, “Revista do Instituto Arqueológico Pernambucano”, t. XXIX, 1928.

Foi em princípios da década de 30 que iniciou as tratativas para a venda do acervo. Foi com imensa dor que o fez, ao que parece movido não por interesse comercial, mas pelo receio de que, após sua morte, se dispersasse o fruto de tantos anos de esforços. Quis, por isso, procurar compradores que pudessem assegurar a conservação e integridade da coleção.

“Não foi sem melancolia que Alberto Lamego deixou partir o que ajuntara. Surpreendi-o por várias vezes dialogando comigo verdadeiros monólogos de consolação. O historiador da Terra Goitacá recordava nesses momentos o perigo de dispersão desse acervo (…)” – relatou Mário de Andrade (“O Estado de São Paulo”, 22-12-1935).

A parte artística – telas e gravuras -, vendeu-a ao Governo do Estado do Rio de Janeiro. Infelizmente, uma parte das gravuras se havia perdido, ainda no solar dos Airizes, devorada por cupins. Quanto à Biblioteca e Arquivo, inicialmente esteve para ser comprada pelo Ministério da Educação, mas acabou sendo adquirida pela Universidade de São Paulo, por um preço que com certeza foi muito inferior ao seu valor real.

Esse riquíssimo acervo acabou sendo adquirido pela Universidade de São Paulo em 1935, por intermediação de Mário de Andrade, para ser incorporado à Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da mesma Universidade. Mais tarde, em 1968, foi transferido para o Instituto de Estudos Brasileiros, da USP, e ali está até hoje. À espera de quem se disponha a explorá-lo.

 

Licenciado em História e em Filosofia, doutor na área de Filosofia e Letras, membro da Academia

Portuguesa da História e dos Institutos Históricos e Geográficos do Brasil, de São Paulo e de Piracicaba.

 

 

Frase a destacar: Foi em princípios da década de 30 que iniciou as tratativas para a venda do acervo. Foi com imensa dor que o fez.

 

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