Carta aberta ao Monsenhor

 

Ronaldo Francisco Aguarelli

 

 

Monsenhor, sua atitude na tarde do dia 16 de junho deste ano foi lamentável. O senhor votou contra a terra natal que tanto o acolheu nesses anos todos. O senhor sabe do que eu estou falando, pois se lembra bem onde esteve nesse fatídico dia. Entretanto, os prezados leitores deste matutino, talvez, não saibam e, por isso, explicarei: alguns cidadãos, com poder de voto, integrantes do Codepac, autorizaram um projeto, para a cidade, que visa construir 4 torres de 90 metros cada, para servir de residência a abastados, em frente ao Rio Piracicaba, onde ficava a fábrica da Boyes.

O poder público, ao invés de intervir naquele espaço (se esforçar muito para isso) e o transformar em um poderosíssimo centro cultural, resolve autorizar a implosão de um bem material histórico pertencente, portanto, a toda sociedade. Foi, a favor disso, que o Monsenhor Aguarelli votou. O senhor votou sim, padre. Ele votou sim, caros leitores. E esse sim é, na verdade, um não a Piracicaba. Monsenhor Ronaldo conhece a cidade como poucos sacerdotes em atuação nela. Sua vocação se deu completamente nesta Diocese – é que, geralmente, padres diocesanos são seminômades. Não foi o que aconteceu com o senhor, Monsenhor. Por isso, seu voto me envergonha e envergonha muita gente.

Aguarelli, pelo que consta na ata da reunião, apenas se pronunciou pedindo que se construísse um espaço ecumênico no local. Quanta humilhação, meu Deus! O colegiado do Codepac ficou de enviar a sugestão da Diocese aos capitalistas donos do projeto. Em outras palavras: o capital imobiliário vai pensar no seu caso, padre. Contudo, o senhor se calou, se omitiu em relação ao mérito do – inconcebível – projeto. O senhor não questionou o sistema e seu modus operandi. Não fez, em nada, como Cristo – esse Senhor que o senhor tanto estudou e por quem faz, dele, o seu ganha pão/vocação. Cristo não se conformou com os poderosos, se revoltou contra eles. Acho que foi Mateus, o mítico evangelista, quem narrou um discurso atribuído a Cristo, no conhecido Sermão da Montanha: “não se pode servir a dois senhores”, condenando indiretamente o materialismo. Seja lá o que isso signifique, me parece que diz respeito ao fantasma que irá assombrá-los pelo resto de suas vidas. Inevitável não pensar: que interesses teria a Cúria local nesse empreendimento privado? Pausa para um cafezinho.

O vigário-geral pode pedir desculpas e creio que o fará muito em breve. Mas, a água que atiraste ao vinho, como disse Brecht, não poderás mais retirar. Em apenas duas horas de reunião, chamada às pressas, representantes e aliados do governo Luciano Almeida, votaram pela – repito – construção de mais de 400 unidades habitacionais, cada prédio com quase 30 andares, bem em frente à Ponte Pênsil. A Sé piracicabana concordou com um projeto de nome ca-fo-na chamado “Boulevard Boyes ou Boulevard Mirante Piracicaba” – exclusivo, ao que tudo indica, à gente rica da cidade. De Luciano Almeida e do seu governo, não poderíamos esperar menos do que o pior. O que chateia, infelizmente, é que decisões como essas têm consequências na vida de todos nós, os piracicabanos.

Padre, a sua atitude não condiz em gênero, número e grau com os ensinamentos do teu Mestre e nem de quem ama verdadeiramente sua terra natal.

Como um sucessor da cadeira de Otto Dana pode cometer tamanho acinte? Envergonha, amiúde, o posto deixado pelo Reverendíssimo (embora não de direito, mas de fato) Otto Dana que, se sua consciência ainda estiver plena (e desejo que sim!), jamais seria conivente com tamanha barbárie. Consulte os sábios, padre. Não caia nos erros dos antigos heróis das tragédias gregas, acometidos pela hybris.

Em tempo: não irei cometer o pecado de transferir sua vergonha ao atual bispo diocesano: esse é estrangeiro na cidade, talvez, nem saiba da importância do que estamos falando aqui. O “bispo de olhos vermelhos/ E o banqueiro com um milhão” – assim diz a canção. Adivinha quem é a nossa Geni?

Foi feio, padre. Foi bem feio.

Subscrevo-me com todo o respeito que o senhor não teve para com a cidade.

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Felipe de Menezes, historiador, professor de teatro e membro da Frente das Culturas de Piracicaba

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