Luta negra contra o quê

Noedi Monteiro

 

Luta negra contra o quê? Esta é a reflexão deste artigo. Até para ser um antirracista, bom seria que conhecêssemos a cara do inimigo, todas suas artimanhas, como se organiza; suas preferências, lugares, campo e em que tempo. Lutamos contra uma máquina ideológica corrente, invisível, silenciosa, que transmite sinais sincronizados que movimentam a sociedade brasileira. De fato, é um fenômeno racial perceptível!

O racismo surge de ideologias unilaterais e raciais, que se transformam em palavras impressas pelo vento que invadem o mundo literário se difundindo. Era importado o racismo presente na América Portuguesa e Espanhola. Começou na colonização e com estrangeiros que visitaram o Brasil em determinadas épocas na sua maioria franceses (Gobineau, Louis Couty etc.) e cimentaram no país, a ideologia racial que carregavam na bagagem.

Por Portugal chegaram-nos a língua, a cultura, a escravização e a miscigenação. Hispanos e lusos já problematizavam a cor da pele e o sangue. Lope de Veja (1562-1635) dramaturgo e poeta espanhol gabava-se de ser limpo de sangue hebreu ou mouro (Veja, 1995, p. 119). Os dramaturgos portugueses Gil Vicente (1465-1536) e Afonso Álvares (1501-1580, “o poeta negro”, arquiteto e engenheiro civil mulatos eram sutilmente atacados pela cor da pele por António Ribeiro Chiado (1520-1591), poeta. Os lusos trouxeram o preconceito de cor para o Brasil somando-se ao de raça, de origem, procedência, nacionalidade, crenças, gênero – o racismo em geral, a intolerância, a supremacia branca.

Foram os interlocutores no Ocidente e na Ásia da “missão civilizadora” da colonização. Gilberto Freyre (1900-1987) sociólogo baiano, trabalha a irresistível e sensualizada miscigenação dos portugueses com as negras no Brasil no clássico, Casa-Grande & Senzala. Com a infiltração do tipo da literatura europeia (alemã e francesa) no final do século XIX e início do XX no meio brasileiro, arremata-se o país há séculos colonizado, europeizado e branco como, o ser dominante.

A nocividade da literatura e da ideologia europeia passa despercebida em meio aos jovens e inexperientes estudantes da Escola do Recife – Faculdade de Direto – encontrando um campo fértil, para se disseminar na academicidade, na intelectualidade e institucionalidade do país. Desta forma muitos naturalistas, antropólogos, juristas, geógrafos, historiadores, etnólogos, sociólogos e filósofos principalmente, se fizeram conhecidos como, a ideologia racial. E foram correspondidos sem apartes ou objeção no meio. Tudo era novidade! Os autores eram citados e recomendados a se ver o grau persuasivo atingido. Por esta literatura, o racismo científico entrou no Brasil. Como os fundamentos da classificação das raças, o etnocentrismo e a eugenia tornando adeptos intelectuais, sociólogos, professores, médicos, políticos granjeando admiradores. Buscava-se um tipo racial brasileiro. Gustavo Capanema (1900-1985) ministro da educação de Vargas, quase construiu um monumento para o homem brasileiro no Palácio, que hoje leva o seu nome no Rio de Janeiro.

A literatura ideológica francesa influenciou fortemente o Brasil. A língua francesa era usada como segundo idioma e presente na grade curricular dos colégios dominando principalmente, a elite carioca e paulista. A cultura francesa veio acompanhada pelo mundo artístico europeu com toda a sua pompa e distinção ao Brasil: música, teatro, sarau, boemia, lirismo e claro, regada por muita literatura encontrada nas bibliotecas caseiras da elite e nas dos melhores colégios brasileiros.

Em 1922, veio a Semana da Arte Moderna que rompeu o contrato cultural da Belle Époque com o Brasil. Sorte da cultura brasileira porque o racismo continua inarredável.

Assim mergulhamos um pouco no mar revolto, subliminar e estrutural do racismo. Para chegarmos na aclamada diversidade cultural e ao antirracismo.

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Noedi Monteiro, professor, ativista negro, mestre em Educação e diretor do IHGP (Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba)

 

1 comentário em “Luta negra contra o quê”

  1. Excelente artigo. Hoje se fazem uma bandeira antirracista, de forma falsa, através do identarismo, tendo em vista que muitos foram preteridos de cargos pelo racismo. Nenhum negro ou negra deve ser preterido de um posto ou cargo civil ou militar, contudo, o critério não é por etnia, não podendo ser excluída tal pessoa por cor, orientação sexual ou outra diferença essencial. O identarismo se impõe com argumentos como ser negro, negra, mulher, trans, para ocupar tais cargos, vide o presidente da Fundação Palmares. Tais casos querem-no confundir com a lei de cotas, cujo viés é outro, ingresso a condições de forma coletiva dos preteridos históricos. Por outro lado, me alegra que vejo hoje muitos negros e negras ocupando cargos e com grande conhecimento e saber notório, como o nosso articulista piracicabano.

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