Avançar a um sistema tributário que proporcione justiça fiscal

IPEDD

 

Brasil é um país rico em recursos naturais, humanos e produtivos, sendo uma das principais economias do mundo. No entanto, também é conhecido por sua má distribuição de renda e da riqueza, por ser um dos países mais desiguais do mundo, onde o 1% mais rico detém 49% da riqueza e os 50% mais pobres possuem apenas 0,4%. Além disso, essas desigualdades não são apenas de renda, mas também de gênero, raça, etnia e território.
Trata-se de um problema multicausal, que estrutura por séculos a nossa sociedade. E na maioria das vezes o Estado brasileiro atua como promotor dessas desigualdades, como é o caso do sistema tributário que, por ser regressivo, tributa proporcionalmente mais os pobres, que são constituídos majoritariamente por mulheres negras, e menos os ricos, formados hegemonicamente por homens brancos. E mais: a tributação do consumo discrimina, por exemplo, as mulheres ao impor alíquotas muito mais altas aos produtos ligados à fisiologia feminina e ao trabalho de cuidado do que aos produtos consumidos predominantemente por homens. Essas injustiças ocorrem principalmente porque no país há mais impostos sobre o consumo, que são os tributos indiretos, do que sobre a renda e o patrimônio, que são os diretos. Esse quadro é diferente do observado em países considerados desenvolvidos, nos quais o sistema é mais progressivo, isto é, os que mais têm pagam proporcionalmente mais. E, note-se, que mesmo nossos impostos diretos têm pouca progressividade e usufruem de inúmeros benefícios fiscais.
Com isso, a atual discussão sobre a reforma tributária no Brasil adquire caráter de urgência, uma vez que se trata de “janela de oportunidade” para a promoção de alterações profundas no sistema tributário que promovam justiça fiscal. O governo federal dividiu a reforma em duas etapas, sendo a primeira vinculada (em grande parte) a uma “simplificação” do sistema da tributação sobre o consumo (PEC nº 45/2019) e, a segunda, com foco na tributação da renda. A proposta da segunda etapa da reforma deverá ser encaminhada pelo Executivo ao Legislativo ainda no segundo semestre de 2023.
As discussões no Congresso a respeito das alterações da tributação sobre consumo preocupam, pois, além de alterar pouco a estrutura do atual sistema, existem possibilidades de retrocessos. Esse é o caso, por exemplo, de redução da tributação das armas e da constitucionalização de benefícios tributários para agrotóxicos e alimentos ultraprocessados. E, observam-se poucos avanços em questões relacionadas à género e raça, pois não se vislumbram medidas robustas para diminuição do peso dos impostos sobre produtos ligados à saúde da mulher e ao trabalho de cuidado.
Por outro lado, merecem destaque mecanismos infraconstitucionais propostos pelo governo federal e que não tramitam em conjunto com a PEC da reforma sobre o consumo. Especificamente sobre a tributação da renda e do patrimônio, recentemente o Executivo tomou medidas que visam avançar na progressividade do sistema, procurando tributar altas rendas de pessoas que utilizam subterfúgios tributários para diminuir sua contribuição ao fisco: 1 – O PL 4258/23 que visa o fim da dedução dos juros sobre capital próprio, utilizado por empresas para redução da base de contribuição do imposto de renda e da contribuição social sobre o lucro; 2 – A Medida Provisória 1184/23 que tributa os chamados “Fundos de Investimento Fechados”, que pagam menos impostos que os fundos mais comuns no mercado; 3 – O PL 4173/23 que tributa brasileiros (as) que auferem rendimentos no exterior através de offshores em paraísos fiscais.
Estas três medidas impactam um pequeno contingente de pessoas (aproximadamente 1% da população) justamente porque avançam sobre rendimentos de produtos financeiros restritos à parcela mais rica da sociedade, direção que uma reforma tributária com justiça fiscal deve seguir. Essas tributações teriam potencial de gerar cerca de R$ 80 bilhões em receitas até 2026, um valor expressivo, contribuindo para o financiamento de investimentos públicos e de políticas ambientais, de combate às mudanças climáticas, de saúde, educação, seguridade social e de combate às desigualdades de gênero e raça, essenciais para a imensa maioria da população.
Tais medida contribuem para tornar o sistema tributário mais justo e solidário. Cabe, no entanto, uma mobilização permanente de toda a sociedade para que esses mecanismos sejam de fato implementados, avançando na tributação da renda e da riqueza de minorias privilegiadas, cuja tributação efetiva é ínfima quando comparada à da maioria da população, em especial as pessoas marcadas por opressões estruturais. Dessa forma, se consolidaria uma matriz tributária que atuaria na redução das desigualdades sociais, raciais, étnicas e de gênero, e auxiliaria no financiamento adequado das políticas públicas, tão necessárias ao desenvolvimento do país.
É igualmente fundamental transformar os processos de decisão tributária, para que não sejam espaços restritos às elites. Assim, conselhos, conferências, audiências públicas, referendos e políticas de educação fiscal para a cidadania e os direitos humanos são medidas urgentes e necessárias em nosso país.
As organizações abaixo assinantes instam o Congresso Nacional a aprovar essas medidas sem mais delongas expressando dessa forma seu indiscutível compromisso com a justiça fiscal e socioambiental no Brasil. (Manifesto endereçado ao Congresso Nacional de apoio ao PL 4173/23, MP1184/23 e PL 4258/23).

 

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