O continente Antártico é certamente a região mais inóspita do globo, mas nem por isso o que acontece por lá está dissociado da nossa realidade. Essa constatação é do professor José Alexandre Melo Demattê, do departamento de Ciência do Solo da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP).
Durante quarenta dias, o docente esteve no continente gelado, integrando mais uma expedição do projeto Proantar (Programa Antártico Brasileiro), que tem por objetivo a promoção de pesquisa científica diversificada e de alta qualidade na região antártica.
Para chegar naquela região, Demattê foi convidado por pesquisadores da Universidade Federal de Viçosa, integrantes do programa Pemaclima. “Passei por um treinamento no Rio de Janeiro, em agosto de 2022 e embarquei para lá em janeiro deste ano com apoio da Marinha e da Aeronáutica. Lá, me integrei a uma equipe de 30 pesquisadores e 30 militares alocados na nova Estação Brasileira Comandante Ferraz localizada na Bahia do Rei Jorge na Bahia do Almirantado”, conta o docente.
Em solo antártico, o professor da Esalq observou o solo local, a fim de relacionar os fenômenos encontrados por lá com a relação solo-clima mapeados em outros locais do globo. “Os denominados Permafrosts são solos com uma camada congelada. A chave do estudo realizado ali foi determinar o quanto estes solos podem estar emitindo de carbono para a atmosfera, na medida em que ocorre o derretimento das calotas polares”, explica.
A partir da coleta de material e observação dos dados, Demattê traça o paralelo envolvido na retenção ou liberação de carbono para a atmosfera, dependendo do uso do solo e efeitos climáticos. “O globo está todo interligado. Aqui no Brasil, por exemplo, o desmatamento aumenta o gás carbônico na atmosfera e isso aumenta a temperatura terrestre, chegando aos polos. Lá, o efeito é o de derretimento do gelo, que até então estava retendo o gás carbônico”, detalha o professor.
Durante a expedição, foram realizadas incursões de campo para coleta de amostras de solos em trincheiras, de materiais rochosos, entre outros para estudos específicos a ser realizados por técnicas de sensores no Departamento de Ciência do Solo da Esalq. “Os sensores permitem detectar informações de maneira rápida e não destrutiva, além de levantar dados não informados pelas tecnologias tradicionais”, aponta o docente. Durante as expedições, o professor relata que essa experiência o levou a refletir sobre as próprias pesquisas, abrindo novas frentes de pensamento. “Ao contrário do que se possa imaginar, um ambiente como este pode trazer novas ideias para a área agronômica”.
Em contrapartida, Demattê reforça que as técnicas aplicadas aqui podem ser adaptadas naquela região. Fato observado foi que, durante o derretimento do gelo, e em locais montanhosos, o docente da Esalq observou alto grau de sedimentos sendo deslocado das partes altas para dentro do mar. “Aí levantamentos outros questionamentos. Qual será o impacto futuro tanto ao relevo quanto ao mar em constante recebimento de sedimentos? Qual será o impacto do clima na terra se a temperatura sobe, derrete gelo, aumenta o nível do mar? E a liberação do CO2?”. Neste aspecto, a tecnologia do sensoriamento remoto, especialidade do professor Demattê, apresenta sua importância. “Conseguimos, logo numa primeira abordagem, detectar as variações de solos e materiais rochosos por imagens de satélite. Tal tecnologia permite mapear as variações e verificar in loco, com maior assertividade”, finaliza.
SERVIÇO – Projeto Proantar (https://www.marinha.mil.br/secirm/pt-br/proantar/sobre).