Mostrar que as atividades motoras podem e até mesmo devem fazer parte do cotidiano das pessoas com deficiência (PcD) foi um dos objetivos de uma roda de conversa na tarde desta segunda-feira (25), promovida por meio de parceria entre a Escola do Legislativo da Câmara Municipal de Piracicaba e o Comdef (Conselho Municipal da Proteção, Direitos e Desenvolvimento da Pessoa com Deficiência).
Intitulada “Pessoa com Deficiência e Atividade Motora”, a roda de conversa aconteceu de forma presencial na Sala da Escola do Legislativo e teve transmissão simultânea pelo Youtube. Ela faz parte da programação da XI Semana Municipal de Luta da Pessoa com Deficiência.
O evento teve como facilitadores Elisângela da Silva Oliveira, fisioterapeuta e coordenadora do Comdef, e Eduardo Azzini, educador físico e especialista em atividade motora adaptada, atualmente assessor especial em Gestão Pública na Selam (Secretaria Municipal de Esportes, Lazer e Atividades Motoras).
“Nós sabemos que as atividades motoras e os esportes são muito importantes não só para a qualidade de vida, para a saúde, mas também para a participação e inclusão, e a Escola do Legislativo, como sempre, participa de temas importantes para a nossa sociedade, como é a temática da pessoa com deficiência. E o Comdef é também um grande parceiro não só da Escola, mas da Câmara também. Na construção do programa Câmara Inclusiva, por exemplo, o Conselho teve um papel importante no plano diretor da nossa Casa, para atender bem as pessoas com deficiência, pois sem ele seria praticamente impossível construir tudo isso”, disse o vereador Pedro Kawai (PSDB), diretor da Escola do Legislativo.
Mudanças de concepções – “Nosso principal objetivo é que as PcD estejam em todos os espaços. Queremos aqui refletir sobre como podemos aumentar o nível de participação em atividades motoras das pessoas com deficiência”, disse Elisângela no início de sua exposição. Ela, na sequência, trouxe um panorama de como as deficiências foram tratadas ao longo da história.
Observadas de formas míticas e até mesmo como uma ameaça social no século XVIII, passando por uma visão patológica no início do século XIX e médica no século XX, somente anos mais à frente é que se inicia uma gradual mudança na maneira de se enxergar as pessoas com deficiência, dando-se maior ênfase aos aspectos sociais e históricos e à compreensão das individualidades.
“Antes, a ideia era sempre pensar em cuidar, deixar a pessoa como se ela fosse sempre dependente de algo, um pensamento sempre voltado à doença daquela pessoa. A partir do momento em que se passa a pensar no modelo social, e que a questão da PcD está muito mais relacionada ao ambiente em que ela vive, começa-se a perceber que as desvantagens dessa pessoa não são centradas nela, mas são um problema da sociedade em que ela vive, do contexto em que ela está inserida”, explica a coordenadora do Comdef.
Um dos marcos dessa mudança, além de diversas legislações e convenções, traz Elisângela, é aprovação, em 2001, da Classificação Internacional de Deficiências, Incapacidades e Desvantagens (CIF), pela OMS (Organização Mundial de Saúde), que traz como foco não as limitações, mas sim o apoio, o contexto ambiental e as potencialidades dos indivíduos. “Isso abriu novos caminhos para a inclusão social. Isso é muito importante, pois você sai do contexto da doença e vai para o contexto da individualidade”, ressalta.
Atividades motoras e esportes – É nesse contexto de mudanças de percepção – que sai de um paradigma limitador para uma visão com ênfase nas potencialidades -, que a atividade motora se insere como um mecanismo a ser incentivado.
De acordo com Eduardo Azzini, um dos pilares para que a prática de atividades motoras por pessoas com deficiência seja cada vez mais frequente é a adaptação, ou seja, a adequação de meios de forma a permitir que determinada prática ou tarefa possa ser realizada para além de como foram convencionalmente estabelecidas.
“Se pensarmos sobre isso, conseguiremos fazer com que as pessoas com deficiência participem das atividades. Talvez eu não tenha a melhor bola de futebol para promover um jogo para cegos, mas se eu tiver uma bola convencional e uma sacola plástica, eu posso colocar a bola dentro dessa sacola e ela fará barulho quando rolar, e eu tenho uma atividade adaptada, eu incluo uma pessoa com deficiência visual na minha aula”, exemplifica o educador físico. “É sair disso de fazer sempre a mesma coisa do mesmo jeito. Eu posso diversificar para incluir”, acrescenta.
Diferentemente das atividades motoras adaptadas, de acordo com Azzini, o esporte adaptado é mais regrado e menos poroso e maleável quanto a mudanças nas regras, já que ele é pensado como um desdobramento dos aspectos mais lúdicos para um contexto mais ligado ao alto rendimento, à competição, ao record e aos índices.
“A gente tem que lembrar que no esporte adaptado há regras, federações, comitês. Há todo um arcabouço de características e regulamentos, diferentemente da atividade motora adaptada, em que eu posso usar a criatividade para dar uma aula, para fazer com que as pessoas participem. Mas para alguém chegar no esporte adaptado em um nível paralímpico, por exemplo, essa pessoa vai ter que ter passado por uma atividade adaptada bem feita, seja na escola, seja nas instituições”, explica.
“Eu acho que podemos pegar esse exemplo do esporte de alto rendimento e tentar trazer isso para a nossa vida, para a nossa realidade, tentando fazer o melhor dentro das nossas possibilidades, tentar trazer isso para dentro das academias, para os nosso bairros, para fazermos isso ser cada vez mais comum”, destaca Elisandra.
Tanto a atividade motora quanto o esporte competitivo, apesar de guardarem especificidades, trazem inúmeros benefícios individuais e sociais, como por exemplo o aumento do número de ambientes adaptados disponíveis em nossa sociedade, a promoção de melhorias físicas e psíquicas aos indivíduos que os praticam, e ainda servem de estímulos ao rompimento de barreiras atitudinais dos profissionais que os promovem, dos familiares e até mesmo das próprias pessoas com deficiência.
“Muitas vezes, essa pessoa ignora esse potencial, às vezes até por uma questão protetora da família. Não é algo que a pessoa faz por mal, mas é no sentido de proteger por exemplo, se for uma criança, de que ela se machuque. Isso cabe a todos nós, profissionais e sociedade como um todo, levarmos essas discussões para os mais diversos espaços, para que consigamos pensar que crianças com e sem deficiências podem ter os mesmos potenciais e os mesmos erros e acertos. O que acontece é que para a criança sem deficiência é permitido brincar, mas quantas vezes permitimos que a criança com deficiência brinque, para que ela desenvolva seu potencial motor?”, pondera Elisandra.
“Há diversas instituições bacanas, fazendo um trabalho legal, que podem nos ajudar a entender melhor esse processo de diminuir as barreiras atitudinais. Precisamos começar a olhar de uma forma mais assertiva e tranquila para as pessoas com deficiência”, conclui Eduardo Azzini.
O vídeo completo da roda de conversa “Pessoa com Deficiência e Atividade Motora” pode ser visto no canal do YouTube da Escola do Legislativo.