A Cabo Marcela

Camilo Irineu Quartarollo

 

Em formação de barricada na cúpula do Congresso Marcela foi a primeira a ser atacada. Atingiram-na com uma barra de ferro e dali foi empurrada abaixo, numa queda de três metros. Caída, relutante e sozinha, segurou firme no escudo pelo qual foi arrastada por seis golpistas, levando socos e pontapés por todo o corpo, mas queriam atingi-la na cabeça, estraçalhá-la. Pisaram no rosto seu rosto e tentavam tirar dela o capacete balístico que amortecia os pesados impactos dos sucessivos golpes. Se somente quisessem invadir, invadiriam sem esse espetáculo de misoginia explícita daqueles machos, os quais choram agora sob a Vara da Lei e do Supremo.

“Parecia uma eternidade. Fui atacada duas vezes, fui espancada, batiam em mim com uma barra de ferro. Meu capacete ficou amassado. O que me manteve ali e me fez resistir, apesar de toda a agressividade, foi saber que posso contar com meus colegas de trabalho. Foi o subtenente que me salvou e me tirou daquela selvageria” – Marcela Pinno depôs na CPMI, fotos mostram manchas roxas que tem no corpo.

Os golpistas tinham estratégias de invasão e de enfraquecer o moral da tropa de choque, atacando Marcela, que ao retornar na linha de defesa no batalhão foi atacada novamente. Os golpistas agiam conforme o combinado no whatsapp repassado como a “Festa da Selma”, com bolinhas de gude, gradis de ferro, estacas de bandeiras, pedras que retiravam do calçamento e o que tinham à mão. Grupos de fanáticos usavam roupas ao estilo militar ou camisetas com estampas de Bolsonaro, carregavam mochilas, bastões, pedras, paus, fogos de artifício, além de coquetéis molotov para atacar os policiais, preferencialmente as femininas, inclusive dentro das dependências dos poderes.

Cinicamente, alguns dizem que não foi golpe, de que estavam de passagem pelo reduto maldito da frente do quartel de Brasília na sombra dos generais. E o quebra-quebra? Ora, dizem, foram alguns vândalos “infiltrados” naquele giro de domingo!

Apesar de se filmarem e repassarem eles mesmos aos de fora, na praça e nas redes sociais, chegam a afirmar que, se foi golpe, não se efetivou e, como afirmam, não havendo, não há como criminalizá-los. O ex-presidente, agora derrotado e inelegível, quando candidato em 2018 sofreu um atentado. Não faleceu, contudo o agressor Adélio está preso e incomunicável até hoje. Será que o querem livre também? Nos casos de atentado ao Estado de Direito ou de homicídio o crime já é a mera tentativa.

Os golpistas pretendiam passar o controle ao exército com a operação da Garantia da Lei e da Ordem e, ato contínuo, intervenção na República. Havia até mesmo uma minuta, texto legal redigido, para intervir, e desta vez no Supremo, não especificamente no Congresso.

A Cabo Marcela reacende a confiança no estado democrático contra a barbárie. Afigura-se em Marcela a defesa da democracia, golpeada, mas relutante, sem largar o escudo da lei.

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Camilo Irineu Quartarollo, escrevente e escritor, ensaísta, autor de crônicas, historietas, artigos e livros

 

 

 

 

 

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