Armando Alexandre dos Santos
Não só no Brasil, mas em muitos países as grandes comemorações nacionais costumam ser uma ocasião propícia para reflexões sobre os rumos gerais das nações. É compreensível que opções e divergências políticas de momento se manifestem em um ou outro sentido, nessas ocasiões.
O 7 de Setembro de 1822 é a data que se convencionou fixar como marcando a maioridade do Brasil, ou seja, o momento em que o Brasil deixou de ser um adolescente e passou à condição de adulto, senhor dos seus destinos e plenamente responsável por seus atos. Depois de uma fase prolongada de formação (que se estendeu desde o Descobrimento, em 1500, até 1822), o Brasil chegou afinal à sua plena emancipação em relação a Portugal.
Na verdade, formalmente o Brasil já era independente desde dezembro de 1815, quando foi elevado à condição de Reino Unido a Portugal e Algarves. Com essa elevação, formalmente o Brasil passou a ser um reino autônomo, cujo rei também era o monarca reinante em Portugal e em todos os seus domínios na Europa, na África no Oriente.
A elevação à condição de Reino Unido foi altamente benéfica ao Brasil, onde estava, então, residindo o Rei D. João VI, com toda a Família Real. Na prática, o Brasil se tinha transformado em sede de todo o império luso. Como o potencial do Brasil era incomparavelmente maior do que o de Portugal, o normal é que a situação evoluísse para que pouco a pouco o Brasil fosse tomando a dianteira nesse império. Isso, mais ou menos como acontece numa família, quando o filho, chegado à maioridade, pouco a pouco seu pai vai lhe passando as responsabilidades, até que o filho assume a direção dos negócios familiares, sempre respeitando o pai, claro, mas com autonomia e poder de decisão próprios.
Essa seria a evolução natural do caso. Ela não se deu porque as Cortes de Lisboa, demagógicas e exaltadas, forçaram o retorno de D. João VI a Portugal e, depois disso, passaram a pressionar o Brasil, contestando sua autonomia e querendo reduzi-lo novamente à condição de mero território administrado a partir de Lisboa. Foi nesse contexto de crise que se deu a separação política, em setembro de 1822. Nem D. João VI nem D. Pedro queriam um rompimento total. Ele se tornou inevitável devido à ação das Cortes, que criaram uma situação de fato na qual a separação política se tornou inevitável.
A Independência se deu dentro de um contexto histórico de extrema importância, na passagem da Idade Moderna para a Idade Contemporânea, assinalada pela Revolução Francesa e pelas múltiplas consequências que, em cadeia, essa Revolução trouxe para o mundo inteiro. Sem a Revolução Francesa não teria havido Napoleão Bonaparte, não teria havido a invasão de Portugal, a Família Real não teria se transferido para o Brasil. Toda a História teria seguido um curso muito diferente. Na verdade, o Brasil já estava num processo de amadurecimento natural, mas esse processo foi acelerado pela vinda da Família Real para cá.
O 7 de Setembro de 1922 marcou, sem a menor dúvida, um virar de página, uma passagem de um estágio a outro, na trajetória da nação brasileira. Teoricamente, todo virar de página (seja na vida de um indivíduo, seja na vida de um povo) pode se dar de duas maneiras fundamentais: ou pela continuidade ou pela ruptura.
O processo de Independência do Brasil teve, é claro, elementos de ruptura em relação a Portugal, mas se deu sobretudo na linha da continuidade – continuidade na Fé, na Língua, na forma de governo, na Dinastia, na tradição unionista da Monarquia lusa. Nosso primeiro Imperador foi precisamente o herdeiro na coroa de Portugal. Até nesse ponto fundamental foi mantida a continuidade.
O Brasil teve o bom senso de conservar esses elementos de continuidade, e foi isso que garantiu a preservação da unidade nacional. É muito grande o mérito de José Bonifácio, nesse momento crítico. Ele, quando jovem, presenciara em Paris os horrores da Revolução Francesa em sua fase do Terror, e avaliava muito bem os riscos de uma radicalização política. Se no Brasil tivessem prevalecido os radicais que desejavam desde logo um regime republicano, muito provavelmente o Brasil se teria esfacelado, como ocorreu com a América Espanhola. Os elementos centrífugos teriam prevalecido sobre os centrípetos. Em outras palavras, teria prevalecido o caudilhismo. Muitos conflitos teriam ocorrido, muito sangue teria sido derramado e, no final, não existiria um Brasil unido como felizmente temos.
Proclamada a Independência e resolvidas em alguns meses resistências surgidas em alguns pontos do novo Império (especialmente na Bahia onde ocorreram combates mais prolongados que se estenderam até julho de 1823, e na então Província Cisplatina, onde era muito forte a concentração de tropas portuguesas que se mantiveram fiéis ao Reino e não aceitaram desde logo a instauração do novo Império), até 1831 a unidade brasileira foi suficientemente garantida pela presença física do monarca. Foi só com a Abdicação, no dia 7 de abril de 1931, e com a Regência, que se manifestaram com nova força os fatores desagregadores, forças centrífugas atuando, ameaçando a unidade nacional. O período Regencial foi, para o Brasil, segundo muitos historiadores, uma espécie de pré-experiência republicana. Se não tivesse sido antecipada a Maioridade de D. Pedro II, em 1840, talvez o Brasil não tivesse conseguido se manter unido. Teria seguido o mesmo destino das nações irmãs hispano-americanas, que se haviam fracionado em repúblicas e republiquetas.
1822 é um ano de grande significado para a História de Piracicaba. Nesse ano, não somente o Brasil se emancipou de Portugal, mas também a povoação de Piracicaba, que até então pertencera administrativamente a Itu, se emancipou, passando a ser uma Vila, ou seja, um município independente, com Câmara de Vereadores própria. Adotou então o nome de Vila Nova da Constituição, designação que conservaria até 1877, quando retomou o nome tradicional de Piracicaba.
Licenciado em História e em Filosofia, doutor na área de Filosofia e Letras, membro da Academia
Portuguesa da História e dos Institutos Históricos e Geográficos do Brasil, de São Paulo e de Piracicaba.
Frase a destacar: O processo de Independência do Brasil teve elementos de ruptura em relação a Portugal, mas se deu sobretudo na linha da continuidade.