Lembranças de um velho aldeão (12)

Os “jovens turcos” caipiras

            Cecílio Elias Netto

 

Leandro Guerrini foi um dos grandes mestres da cultura caipiracicabana. Professor, escritor, dramaturgo, poeta – ele foi referencial para diversas gerações. Primeiro diretor da Biblioteca Municipal, transformou-a num centro cultural trepidante no qual se reuniam intelectuais e estudantes das mais diversas tendências. A família Guerrini, na verdade, foi verdadeira fonte de sabedoria e de ativismo político e cultural. Famosa nacionalmente, por exemplo, foi nossa Julieta Bárbara que despertou a paixão de dois luminares da inteligência brasileira, Oswald de Andrade e Mário Schemberg.

Com saudade e respeito, penso no professor Leandro por ter sido ele quem – diante dos sonhos da juventude daquele tempo – nos identificou como “jovens turcos” de Piracicaba. Ele estabelecia um modesto paralelo caipira com os verdadeiros “jovens turcos” que, no século 19, fizeram a revolução que contestou o Império Romano na Turquia. Em Piracicaba, os “jovens turcos” caipiras opunham-se a tudo e a todos que se vinculassem a hierarquias. Queríamos mudar tudo. Mas não sabíamos – como veio a acontecer – o que propor em substituição.

Nestas lembranças, a memória traz-me retratos vivos de uma época, de espaços, de pessoas. E, se acompanhei, ao longo de tantas décadas, as grandes transformações, admito espantar-me com a rapidez, com a velocidade do que estamos vivendo. Nada parece estável. E – mais preocupante ainda – a Memória tem sido repudiada. Percebo-o como se a história, o passado, tradições assustassem os contemporâneos. Fica a impressão de que – participando ou cuidando dessa herança – tivessem medo da responsabilidade. Pois tradição – insista-se – nada mais é do que herança. E heranças formam a cultura de um povo.

Quase me arrepio quando ouço e vejo movimentos – que se dizem feministas – mostrando-se como novidade, algo agora revolucionário. Poderá ser um engano fatal, equívocos com consequências dramáticas. Piracicaba é, também ou especialmente, uma construção de mulheres. Tenho consciência do risco de fazer omissões. Por isso mesmo, reporto-me apenas a duas personalidades que marcaram a vida piracicabana em décadas passadas, “jovens turcas” que envelheceram na batalha: Branca de Azevedo e Laudelina Cotrim. Que elas sintetizem as tantas outras.

Reporto-me ao ano de 1961, quando empresários e políticos de destaque criaram a “Folha de Piracicaba”. Incrivelmente, tudo começou errado: aquisição de maquinário, contratação de diretor e de equipe, sede do novo jornal. Recursos financeiros eram abundantes, mas a inexperiência coletiva prenunciava dificuldades, algumas das quais insuperáveis. E que se tornaram fatais. Pois tudo ruiu.

Por ousadia daqueles empresários, fui indicado para dirigir o novo jornal. Aos meus tenros 21 anos. E numa era contestatória, prenúncio da lamentação de John Lennon: “o sonho acabou”.  Organizavam-se ditaduras, sem que o percebêssemos. Mas a juventude deixara marcas indeléveis. Tom Jobim, Chico, Caetano, Gil, Maria Ester Bueno, Pelé, Bethânia, Éder Jofre, tantos outros.  Eles surgiram como se brotando de uma safra dadivosa. Foram, então, os “jovens turcos” brasileiros, transformando, inovando, criando.

O significado de geração é mudança, transformação daquilo que é. O não ser passando a ser. Cada geração tem os seus “jovens turcos”. No entanto, a humanidade atravessa um momento aflitivo em que máquinas substituem o suor humano. Grande parte de nossa juventude está aturdida. São os “nem, nem” e os “sem, sem”. Os “jovens turcos” estão oprimidos. O que será de nós?

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Cecílio Elias Netto, escritor, jornalista, decano da imprensa piracicabana

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