Ministros discretos e politicamente isentos

Dirceu Cardoso Gonçalves

É, pelo menos, indevido, o questionamento atribuído à base aliada do presidente Lula em relação aos votos do ministro Cristiano Zanin, no Supremo Tribunal Federal. Patrulhá-lo por, tendo sido escolhido e nomeado por Lula, pronunciar-se contrário à liberação do uso de maconha, é um engano e até uma certa ousadia, pois configura ataque ao direito de independência do magistrado que, não enganou ninguém quanto sua postura ao definir-se como conservador, religioso e casado durante todo o tempo com a mesma mulher. E ainda mais: a prerrogativa do presidente da República de nomear os ministros das cortes superiores não os fazem vinculador ao governante e nem devedores de qualquer tipo de obrigação ou dependência. A nomeação segue um rito – que passa pela sabatina no Senado – e sua motivação, entendida no jargã o do Direito é “ex tunc” (calcada sobre o passado). Tivesse relação com o futuro, seria “ex nunc”.
Não se deve duvidar que Lula escolheu Zanin por gratidão e por reconhecer sua competência, já que o retirou da prisão numa das situações mais complicadas de sua vida, onde já amargava várias condenações. Mas, nomeado e empossado, o ministro é independente e, para o bem próprio, da Justiça e do País, deve agir conforme sua convicção. E, se possível, em razão da alta responsabilidade e relevância da investidura, manter-se discreto e distante dos holofotes.
As cortes superiores – especialmente o STF, a mais alta delas, têm a nobre função de dirimir dúvidas e garantir que a legislação de todos os níveis respeite a Constituição e os códigos e diplomas legais dela decorrentes. Sua maior tarefa é determinar se leis (federais, estaduais ou municipais) questionadas abrigam-se sob o guarda-chuva constitucional ou estão fora dele. Se estiverem fora, são declaradas inconstitucionais e perdem a validade. A questão da maconha e tantas outras que têm ocupado o tempo dos ministros e os recursos do tribunal, quando chegam ali deveriam ser simplesmente examinadas sob o aspecto constitucional.
Da mesma forma, vemos agora um feito onde o STF poderá exigir que a Câmara dos Deputados e as Assembléias Legislativas alterem o número de parlamentares para atender à proporção de votos decorrente da Censo de 2022. Data vênia, é uma atividade desnecessária, pois o atual número de cadeiras por casa legislativa foi estabelecido conforme a população apurada no ano das ultimas eleições (2022). Não haverá prejuízo algum se assim permanecer até o final do mandato e em 2025 – quando assumirão os próximos eleitos se fizer a atualização do número de cadeiras. Exigir a revisão agora, pode configurar a interferência do Judiciário no Legislativo, ferindo o principio da independência dos poderes prevista na Constituição.
Não é exagero a população sonhar com tribunais superiores compostos por ministros discretos e politicamente isentos. O ativismo deturpa a imagem do Poder e dos seus integrantes e pode, ainda, represar os trabalhos das cortes. Vimos no noticiário que Cristiano Zanin assumiu o STF, recebendo do antecessor, Ricardo Lewandowski, um passivo de 500 processos. Se  levarmos em consideração que são 11 ministros e em cada gabinete tiver o mesmo número de feitos pendentes, serão 5,5 mil, cujas partes estão aguardando decisão. Quando a Justiça não é célere, há o risco dela não ser alcançada, dizem os mais festejados cultores do Direito…

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Tenente Dirceu Cardoso Gonçalves, dirigente da Associação de Assistência Social dos Policiais Militares de São Paulo; e-mail: [email protected]

 

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