Facilite a introdução de colonos, dê-lhes garantias, diz documento de 29 de novembro de 1857
Documentos que pertencem ao acervo da Câmara Municipal de Piracicaba demonstram que os colonos europeus imigrantes eram explorados nas fazendas da região. Eles foram transcritos por profissionais do Setor de Gestão de Documentação e Arquivo, para a série Achados do Arquivo.
Em 4 de setembro de 1850, a lei Eusébio de Queiroz proibiu o tráfico de pessoas escravizadas no Brasil. Para suprir a mão de obra na colheita de café, uma das alternativas foi o recrutamento de colonos, já que algumas regiões da Europa estavam em situação precária e visando o “branqueamento” do povo Brasileiro.
Conforme pesquisa do estagiário Gabriel Tenôrio Venâncio, sob a supervisão da chefe do setor, a arquivista Giovanna Fenili Calabria, região havia em Limeira a fazenda Ibicaba, da qual o senador Nicolau Pereira de Campos Vergueiro participou do recrutamento de colonos. “Vergueiro promoveu a imigração europeia pelo Sistema de Parceria, que teve seu início em 1841, com a instalação da primeira Colônia de Parceria, constituída por imigrantes europeus. De forma literal tornou-se inspiração para que os fazendeiros da época fizessem o mesmo, visto que obteve sucesso”, explica Venâncio.
Nesse período, a Câmara Municipal encaminhou ofício ao presidente da Província argumentando a necessidade de suprir a mão de obra escravizada. O documento é de 29 de novembro de 1857 e foi transcrito abaixo para o português atual por Venâncio,
“[…]. Para o futuro, porém, pode a produção desta cidade diminuir muito, ou podendo quadruplicar na exportação do café. Julga esta Câmara que para o futuro é possível haver grande diferença na exportação desta cidade, por isso que consistindo ao presente toda a riqueza do produto de serviços de braços cativos, estes se estragarão com mortes, avanço de idades, e então os que restarem não satisfarão os serviços; razão suficiente para diminuir a exportação principalmente do café, por enquanto é incalculável o aumento de plantação que tem havido neste ramo de agricultura, estes agricultores esperançados de poder adquirir escravos se tem ocupado em grandes plantações. […]. Facilite a introdução de colonos, dê-lhes garantias, […] que possam os agricultores ao invés de comprarem escravos, aplicar suas reservas na aquisição de colonos, e que percam de uma vez a esperança de comprarem escravos, e achem mais fácil de contratar colonos, que certamente aumentará fortuna, aumentará exportação.”
Livro de ofícios correspondente ao período entre 1855 e 1871, que pertence ao Setor de Gestão de Documentação e Arquivo, reforça a tese de que a diversidade de imigrantes europeus e americanos ––que vieram mais tarde através da missionária Martha Watts–– sofria constantemente xenofobia e intolerância religiosa pela população de Constituição, a Piracicaba da época. O oficio abaixo é de 6 de junho de 1857, também transcrito para o português atual:
“Achando-me encarregado pela Câmara desta cidade como presidente da mesma construção do conserto da ponte sobre o Rio Piracicaba, a qual encarreguei ao engenheiro Dr. Carlos Rath. […] (Aparentemente, Dr. Carlos Rath não procedeu com as normas estabelecidas a época na escolha dos selecionados para o conserto da ponte.) Ficando a obra encarregada a um carapina de nome Francisco Alves Lobo, debaixo de minha direção e vistas, deixando quatro alemães e um feitor de nome Carlos para o trabalho da ponte. E estes alemães, principalmente o feitor, andavam sempre bêbados e embriagados, nada faziam dando parte o carapina. Assentei de eu ir assistir algumas horas na ponte, e vi que nunca se acabaria a dita obra com semelhante gente, despedi eles no dia 30. […]”
O oficio foi encaminhado pelo presidente da Câmara, Salvador de Ramos Correia, ao presidente da Província, Antônio Roberto de Almeida. No trecho final, Salvador faz uma comparação entre brasileiros e alemães: “[…] Só quem vê esses Alemães no serviço é que conhece, […] O que estes alemães fazem em um mês, nossa gente faz em cinco dias.”
REVOLTA DE IBICABA – Venâncio lembra que a condição de trabalho dos imigrantes colonos não era nada agradável. “Eram explorados, enfrentavam dificuldades na adaptação do clima tropical e outros empecilhos. O ponto marcante e incomodo para os ditos imigrantes era a subordinação econômica que os fazendeiros teciam sobre os colonos, impossibilitando que os mesmos quitassem suas dívidas, argumentando com base em contabilidade fajuta e questionável”, explica.
Porém, em 1856, a mesma Fazenda Ibicaba ––localizada em Limeira–– foi palco da “Revolta dos Parceiros” (também conhecida como Revolta de Ibicaba), liderada pelo suíço Thomaz Davaztz. Ele alertou as autoridades europeias sobre a “escravidão indireta” enfrentada pelos colonos imigrantes.
Em um ofício de 7 de abril de 1858 é declarado ao presidente da Província a necessidade de armamento, para que pudessem se atentar a revoltas que aconteciam na região. De acordo com Venâncio, é um exemplo verídico de que os acontecimentos na fazenda Ibicaba refletiam em Piracicaba, detentora – segundo o oficio – de três colônias: “[…] além disso, torna-se de mais necessidade haver armamento suficiente neste município em razão de ser ele bastante grande, e ter grande escravatura e três colônias anexadas a ela, que já tem a Guarda Nacional prestado serviços sobre revolta das mesmas. […].”
ACHADOS DO ARQUIVO – A série “Achados do Arquivo” é uma parceria entre o Setor de Gestão de Documentação e Arquivo, ligado ao Departamento Administrativo e de Documentação, e o Departamento de Comunicação Social da Câmara Municipal de Piracicaba. Ela traz publicações semanais no site da Câmara, às sextas-feiras, como forma de tornar acessível ao público as informações do acervo do Legislativo.