Caipiras, parabéns

Camilo Irineu Quartarollo

 

A cidade que mora em mim a conheci de cima do Morro do bongue, do bairro Glebas Califórnia, onde meu pai lidava com os mamões. Que susto! Vi o rio lá embaixo, deslumbrante, grandioso. Que visão para um menino saído das fraldas! Era um espetáculo para mim. Parecia que falava comigo essa realidade líquida e profunda em constante movimento de remanso.

Talvez esse posto de observação do alto foi de mais gente, mas marcou minha vida toda. Do rio advieram muitas lendas do folclore caipira, e causos. O rio se torna o centro memorável da cidade, o lugar vital da urbe antiga. Das lembranças que rebrilham ao luar desse movimento contínuo e eterno.

O ‘caipirismo’ não convence pela imitação do falar ou é presente numa roupa xadrez de festa junina. Caipira de origem, da vila e da hoje cidade, remanesce indelevelmente em nós. Não fica gritando aos quatro ventos que ‘ama Piracicaba’. O filho da terra e das águas é saudoso de uma saudade que punge e mata ao se distanciar da sua essência, da voz do Piracicaba de mil seres.

Há projetos de requalificação da rua do Porto e gente caipira esclarecida e anônima atuando por esse bem. Quando passo próximo temo pela reserva de mato ainda em pé na beira do rio, pois vejo construções onde devia haver mais jardins, parques, bens culturais – tem gente querendo construir Shopping na margem do rio, mais um!

O ribeirinho taca a vara para pesca e puxa fogão velho, geladeira quebrada, quinquilharias que jogam nas águas. Seu Elias, um caipira consciente, tentou uma estratégia e começou a fazer bonecos e deixar nos barrancos como se fossem gente, para vigiar.

Falar de Piracicaba é fácil, poético até, mas o assunto é extenso, mais comprido que discussão de católico com protestante e de conversa de caipira amolado.

Paciência. O caipira é paciente para muitas coisas adversas da natureza, mas tem coisas que não. Se precisar ele empresta um pouquinho de sal, açúcar, divide o pão por cima da cerca, mas se viu malícia de má intenção, perdeu o tento.

Essa gente eu via lá de cima, e deitado do lado oposto do morro para não cair. Os ribeirinhos na época pareciam formigas que eu fui reconhecer quando meu pai nos levou de carroça pela rua do Porto, era gente boa, rude e sincera. Piracicaba é mais que uma visão panorâmica, não só das alamedas floridas, belezas nativas e da pujança econômica. A cidade também se enche de encanto quando seus filhos se reconhecem aqui ou acolá.

Saudade é uma força interior, de memória, que traz o passado ao presente e a este modifica sem perder a originalidade de caipira que somos e a qual não adianta esconder, e pela sorte grata de habitar o paraíso solidário dos caipiras.

Ara, naquele tempo de criança tudo cabia na minha cacholinha, a cidade toda. Agora, bem mais complexa essa realidade, mas ainda habita no meu  juízo essa cidade que mora em mim, na alma de caipira. Piracicaba, parabéns.

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Camilo Irineu Quartarollo, escrevente e escritor, ensaísta, autor de crônicas, historietas, artigos e livros

 

 

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