Camilo Irineu Quartarollo
O tráfego aéreo foi proibido em Nova Iorque pela falta de visibilidade. A cidade amanheceu coberta com a névoa suja das queimadas do Canadá num alaranjado difuso da atmosfera. Ar irrespirável em Long Island, leste do Lago Ontário, centro e oeste de Nova York, nem se pode ver o horizonte de Manhattan. A imponente estátua da liberdade, situada na Liberty Island, está encoberta por um céu fumarento. Foram distribuídas máscaras N95, parques públicos esvaziados, aulas suspensas nas escolas. Uma brasileira e moradora da metrópole, Nathalia Moritz, relata medo e nervosismo por lá e que se usam máscaras até mesmo em lugares fechados, o cheiro nas ruas era de “churrasco”, diz ela ao G1 em junho deste ano.
O lugar é destino obrigatório de passeios pelo mundo, das compras de tudo, ao grandioso sonho americano, onde se enriquece rápido, onde tudo reluz, à qual se cantam glórias e vitórias. Terra de conquistas, de ostentações, de filmes icônicos, de músicas, de fazer o nome onde o mar brilha. Onde ninguém nos conhece, como clandestinos de balsas e felizes num subemprego para voltar à terrinha enricados, justificar o esforço individual e esnobar aos parentes caipiras ou devolvidos pela polícia americana.
Pois é, a fumaça chegou lá também! Yes, a tal crise climática existe mesmo, tio Sam!
A terra cobra a conta, o grande espírito espera no desfiladeiro e manda seu sinal de fumaça, que agora chegou. O cacique Seatlle não foi atendido em 1855. Ora, era apenas a carta de um índio ao presidente americano, dizendo que não se pode comprar certas coisas, que nem tudo se pode vender, como o céu, o calor da terra. Esses seres originários achavam estranho o capitalismo desenfreado. Para Seatlle não se pode possuir algo que é de todos como “o frescor do ar e o brilho da água”.
Negue, se for capaz, que a crise climática se instalou! Essa é a realidade inconveniente, não é mimimi de ambientalistas nem denuncismo do Greenpeace. Por ora, a crise ambiental se abate sobre todos, indistintamente. Põe-nos como sapos numa panela que vai aquecendo aos poucos e cozinha a gente num calorzinho gostoso de uma sesta mal dormida, sonhando com rendimentos aos quais não usufruiremos. Os EUA acordaram e Biden deu alguns dólares a mais para a Amazônia, míseros dólares, bem menos do que se esperava.
Os espíritos amazônicos resistem impedindo a queda do céu, que balançou em Nova Iorque. A África negra não se negará ao Sol que se apruma sobre o Congo, recusando meras esmolas como disse o líder e presidente da África do Sul Cyril Ramaphosa: “somos uma nação poderosa, não queremos ser vistos como mendigos”.
Entretanto, cabe às nações economicamente ricas ressarcir de forma concreta às espoliadas para, ao menos, atenuar o problema da crise global. Ressarcir, não lucrar sobre uma falsa política e discursos fajutos, de cúpula em cúpula.
Todos dependemos desses biomas sadios.
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Camilo Irineu Quartarollo, escrevente e escritor, ensaísta, autor de crônicas, historietas, artigos e livros