Plano Cohen II – A farsa

Almir Pazzianotto Pinto

 

É conhecida a história do Plano Cohen, fantasiosa conspiração contra o governo do presidente Getúlio Vargas. No livro Getúlio Vargas, meu Pai, Alzira Vargas do Amaral Peixoto pergunta: “Quem inventou o Plano Cohen? Quem o forjou, se é que foi forjado? Quem o concebeu? Quem o redigiu? De onde surgiu? Por quê? Por quem? Quando? Onde? E para que? Ninguém sabe ao certo toda a verdade e talvez ninguém jamais venha a saber.” (Ed. Globo, RGS, 1960, pág. 205).

Relata o Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro – DHBB, no verbete referente ao presidente Eurico Gaspar Dutra, que “em setembro de 1937, circularam nas altas esferas militares e governamentais cópias de um suposto plano comunista de tomada do poder, batizado de Plano Cohen. Elaborado na verdade pelo capitão Olímpio Mourão Filho – chefe do serviço secreto da Ação Integralista Brasileira (ABI) e oficial lotado no EME [Estado Maior do Exército] – o documento, cujos acenos antissemitas eram indisfarçáveis, foi usado por Góis Monteiro como argumento para a ultimação do golpe de estado. De início discretamente, e, no fim do mês, publicamente, com estardalhaço.” (Ed. FGV-CPDOC, Rio de Janeiro, 2001, vol. II, pág. 1935).

Em 30 de setembro o governo divulgou a existência do Plano Cohen, “contendo instruções da Internacional Comunista (Komintern) para a ação dos seus agentes no Brasil. O chefe do Gabinete Militar da Presidência, general Francisco José Pinto, determinou que o suposto plano fosse divulgado através do programa oficial radiofônico Hora do Brasil. Na mesma data, o ministro da Justiça enviou ao Congresso – onde mais uma vez eram reproduzidas expressões de Dutra – pedindo a reimplantação do estado de guerra” (ob. cit., pág. 1935].

Dias depois, em 10 de novembro, Getúlio Vargas promulgou a Carta Constitucional de 1937, implantou a ditadura do Estado do Estado Novo, mantendo o general Eurico Gaspar Dutra como ministro da Guerra. Escreve o historiador Paulo Brandi que o documento elaborado pelo capitão Olímpio Mourão Filho – o general-de-divisão que desfechou o golpe de 31 de março de 1964 contra o governo do presidente João Goulart – tinha sido preparado a pedido do próprio Plínio Salgado para ‘estudo interno’ sobre a atuação dos comunistas e a reação dos integralistas numa insurreição simulada” (Getúlio Vargas e seu tempo, edição fora do comércio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, Rio de Janeiro, s/d, pág. 190).

Plínio Salgado (1895-1970), escritor e jornalista, fundou a Ação Integralista Brasileira, de inspiração fascista, em 7 de outubro de 1932. Tinha caráter paramilitar e chegou a reunir mais de 200 mil adeptos. Em 10 de maio de 1938 cerca de 30 integralistas, comandados pelo tenente Severo Fournier, empreenderam tresloucada tentativa de tomar o Palácio do Guanabara, residência do ditador Getúlio Vargas. Alzira Vargas do Amaral Peixoto relata detalhes da resistência por membros da família armados com revólveres de pequeno calibre, até a chegada de reforços da Polícia Especial e do Exército. Oito assaltantes morreram fuzilados nos jardins do palácio. O tenente Severo Fournier foi preso e torturado, morrendo no cárcere vítima de tuberculose. Ao Chefe de Polícia, capitão Filinto Müller, seu algoz, foi outorgada a comenda da Ordem dos Torturadores.

Ao ler sobre o Plano Cohen, não resisto à ideia de traçar paralelo com os acontecimentos de 8 de janeiro. Vêm à mente as perguntas feitas por Alzira Vargas do Amaral Peixoto. Havia plano para implantar ditadura? Quem o escreveu, se de fato foi escrito? Quem o concebeu? Quem o redigiu? De onde surgiu? Em benefício de quem? De quantos batalhões dispunha? Quem os comandava?

A multidão anárquica que ocupou a Praça dos Três Poderes não encontrou resistência. Policiais e soldados só apareceram após as depredações. Não havia cadeia de comando. O general Gonçalves Dias, chefe do GSI, o único oficial presente, confraternizou com invasores. Os manifestantes, entre as quais mulheres e homens idosos, agiram de forma descoordenada. Não revelaram treinamento militar. Armas brancas ou de fogo não foram encontradas. Nem sequer um revólver calibre .32.

É conhecida a frase de Marx, citando Hegel, que os grandes personagens e fatos da história ocorrem duas vezes: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa. Seja quem for que o tenha imaginado, o Plano Cohen II, de 8 de janeiro, se resume a uma enorme farsa.

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Almir Pazzianotto Pinto, advoado, foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho. Autor de A Falsa República

 

 

 

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