Famosos que provavelmente nunca existiram de verdade

Douglas Alberto Ferraz de Campos Filho

 

Na nossa época de informação onipresente, é fácil procurar a biografia de uma celebridade ou de um político, uma vez que a história está melhor preservada do que nunca. Infelizmente, nem sempre foi assim. Os fatos sobre muitos ícones famosos da história, não foram escritos até anos — décadas ou mesmo séculos — depois de supostamente viverem. Dada esta quantidade de tempo, a evidência da própria existência do indivíduo pode ter se deteriorado completamente, além das próprias histórias.  Com isso em mente, abaixo estão alguns exemplos de pessoas famosas cujos nomes você vai reconhecer, mas que provavelmente nunca existiram, pelo menos em sua forma popular… e nada comprovado cientificamente.

SÓCRATES — Sócrates é uma espécie de mito pois não se conhece nada escrito por ele nem se sabe direito onde e quando viveu boa parte da vida. Provavelmente, nasceu, viveu e morreu em Atenas, entre 469 e 399 A.C. Ele escolheu não escrever, para ser coerente com sua filosofia, mas por outro lado há evidências documentais suficientes de seus alunos (Alcibiades, Antisthenes, Isocrates, Xenofonte, Platão) e outros contemporâneos (Aristophanes, Gorgias, Critias, Eurípides, Sófocles, Diógenes, Prodicus) que ele existia. Praticamente, tudo que se conhece sobre Sócrates vem dos escritos de Platão, que foi seu discípulo. Aristófanes pôs Sócrates em algumas de suas peças. Temos, portanto, que acreditar nas versões desses contemporâneos para conhecer sobre a vida e a obra de Sócrates. 

JESUS — Muitos, até mesmo entre os cristãos, procuram provas históricas e materiais para fundamentar sua crença. A existência, a vida e a obra de Jesus carecem de provas indiscutíveis. As bibliotecas e museus guardam escritos e documentos de autores que teriam sido contemporâneos de Jesus, os quais não fazem qualquer referência ao mesmo. Por outro lado, a ciência histórica tem-se recusado a dar crédito aos documentos oferecidos pela Igreja, com intenção de provar-lhe a existência física. Ocorre que tais documentos, originariamente, não mencionavam sequer o nome de Jesus; todavia, foram falsificados, rasurados e adulterados visando suprir a ausência de documentação verdadeira. Além disso, pouco pode ser extraído das fontes não-bíblicas e não-cristãs, sendo a principal advinda do historiador judeu Flavius ​​Josephus, tendo qualquer alegação razoável de estar escrevendo sobre Jesus dentro de 100 anos de sua vida. E mesmo esses relatos esparsos estão envoltos em controvérsias, com divergências sobre quais partes foram alteradas por escribas cristãos (os manuscritos foram preservados por cristãos), o fato de que ambos os autores nasceram após a morte de Jesus (eles provavelmente teriam recebido isso informações dos cristãos), e a estranheza que se passaram séculos antes que os apologistas cristãos começassem a fazer referência a eles. O agnosticismo sobre o assunto já é aparentemente apropriado, e o suporte para esta posição vem da recente defesa do historiador independente Richard Carrier de outra teoria – a saber, que a crença em Jesus começou como a crença em um ser puramente celestial (que foi morto por demônios em um reino superior), que se tornou historicizado com o tempo. Para resumir o tomo de 800 páginas de Carrier, esta teoria e a teoria tradicional – de que Jesus foi uma figura histórica que se tornou mitificada ao longo do tempo – ambas se alinham bem com os Evangelhos, que são misturas posteriores de mito óbvio e o que pelo menos parece histórico. Se ele realizou todos os feitos divinos descritos na Bíblia está aberto à interpretação religiosa individual. No entanto, se ele era divino, um homem comum, ou uma figura mitológica, ele certamente está entre os indivíduos mais influentes da história da crença humana ocidental.

ALEIJADINHO — Para algumas pessoas, o artista Antônio Francisco Lisboa não passa de uma lenda. O historiador paulista Dalton Sala é autor de uma tese de doutorado em que afirma que Aleijadinho é um mito criado pelo Estado Novo, comandado pelo presidente Getúlio Vargas. Para Sala, o mito foi criado para a construção da identidade nacional, como foi Tiradentes, sendo um protótipo do brasileiro típico: superou as dificuldades por meio da criatividade. Waldemar de Almeida Barbosa, no livro O Aleijadinho de Vila Rica, apresenta algumas contradições na vida do artista, como a indefinição da data de seu nascimento, mas não nega a existência do artista. Barbosa apresenta a biografia de Rodrigo Bretas e conclui que ele não poderia ser pessoa leviana: “Devia, ao contrário, ser reto, merecedor de confiança”. No capítulo “Lendas e Exageros”, Waldemar Barbosa apresenta equívocos relativos à vida e à obra de Aleijadinho, como obras da igreja de São Francisco, de Mariana — o artista não trabalhou nesta igreja. Há ainda obras em Caeté atribuídas ao artista, mas o mestre nunca esteve nessa localidade.

SHAKESPEARE — Como é possível que um plebeu provinciano tenha se tornado um dos escritores mais famosos e eloquentes da história? Até mesmo no início da carreira, Shakespeare contava histórias que exibiam conhecimento profundo sobre assuntos internacionais, capitais europeias e história, assim como familiaridade com a corte real e a alta sociedade.

As mais de 40 peças e 154 sonetos apresentam um vasto conhecimento em diversas áreas, como política, geografia e latim – sendo que Shakespeare só teria passado apenas cinco ou seis anos na escola, segundo historiadores. Além disso, as obras utilizam mais de 29 mil palavras diferentes, um vocabulário maior que o do dicionário de inglês da época.

Por essa razão, alguns teóricos sugeriram que um ou vários autores que queriam esconder sua verdadeira identidade usaram a pessoa de William Shakespeare como fachada.

Os candidatos incluem Edward de Vere, Francis Bacon, Christopher Marlowe e Mary Sidney Herbert. A maioria dos estudiosos e historiadores da literatura continuam céticos com relação a essa hipótese, embora muitos suspeitem que Shakespeare, às vezes, tenham colaborado com outros dramaturgos. Por outro lado, também era comum um dramaturgo se inspirar em outro ou mesmo escrever a quatro, ou mais mãos. Quando um texto era vendido para uma companhia de teatro, ele não pertencia mais aos autores.

 

HOMERO — Para finalizar a lista das figuras mais famosas temos Homero, um poeta grego, autor de dois épicos mitológicos: Odisséia e Ilíada. Apesar da popularidade e importância desses livros, Homero continua envolto em mistérios. Por um lado, acredita-se que Homero não é o verdadeiro autor dessas obras, que de acordo com o historiador Adam Nicolson, teriam precedido seu suposto autor em, mais ou menos, mil anos. Outros dizem que Homero era cego, enquanto alguns afirmam que era, na verdade, uma mulher. Não apenas, alguns historiadores também acreditam que Homero era um grupo de estudiosos gregos.

 

 

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Provavelmente nunca saberemos se ícones históricos famosos realmente existiram ou não. Mas, de uma coisa temos certeza, seus legados permanecerão. E, para encerrar (ou apimentar) a discussão, Carlos Drummond de Andrade escreveu:

“Aleijadinho, simples mito?

Nunca existiu? Tanto melhor.

Shakespeare também, e é infinito.

Homero é o tal. Fica maior.

 

Quais outros deveriam estar na lista? Alguns historiadores também falam que Marco Polo, e até mesmo Cristóvão Colombo nunca existiram. Mas vamos divagar mais sobre estes personagens tão famosos de nossa história.

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Douglas Alberto Ferraz de Campos Filho, médico pneumologista

 

 

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