Poética oculta dos sábados

Alê Bragion

 

Não fosse sábado e eu lhe diria o que penso, o que sinto e o que sei entre o que sou e o que é instinto. Talvez eu recitasse poemas sem pensar nas penas dos que não me gostam. Afinal, o que me pagam esses do mal no ora veja? Pois. Recito no quando quero o meu sempre louvado esteja. E que assim seja! E faço versos. E conto. E narro. Porque é sábado – e porque se não fosse, em verdade em verdade vos digo, a poesia e eu estaríamos em perigo.

Amo os pés da poesia nas noites de sexta que só fazem gotejar, minuto a minuto, o anseio dos sábados. Pés de métrica fixa sobre as calçadas falsas-francesas do meu bairro pobre – toc, toc, toc. Pés que eu dia também versei como se fossem parte da minha poética própria e noturna a se exibir solitária que sozinha sobre a via: o “te pas, enfant du mon silence, saintment, sacratmant, place” que um dia aprendi lendo Valery sem Marselhesa. Ai! Confesso! Amo os pés da poesia, sem pés e sem cabeça, postados no meio do desejo e da fome de minha mesa.

Segredo é sobrenome. Toc, toc, toc – e passa por mim a poesia. E como eu a queria no hoje da manhã deste meu sábado frio. Ri-o. Rio. Riu. Quereria a poesia como magnitude potencial e temporária feita de palavras-bomba a destruírem o que não somos e a jogarem dejetos sobre as nossas próprias cabeças: explosões de ilusões e mundos ao som da quinta de Shostakovich ao fundo. (Ouçam as fanfarras, a ironia fina puxando o arado no gelo do terreiro! Pá, pá, pá-pá!). Valha-me o seu Deus! De novo, rio. Se hoje não fosse sábado eu lhe segredava meu eu – inventado – e por inteiro. (Pá, pá, pá-pá).

“O meu pai me penteou. Minha madrasta me enterrou. Pelos figos da figueira que o passarinho levou”. É sábado e não hei de falhar em me permitir tirar de mim mais uma rima – porque “ora se deu que chegou, num banguê dum meu avô…” e logo a manhã termina. É sábado, salve os pés da poesia, salve Jorge de Lima e sua flor em flor. Que mais não posso mais – nem por dever ou obrigação. Que mais não posso mais, nem para do tempo fazer canção: coração de quem me houve, de quem que ouve – lendo sem campos de sentido o que precisa ser (não) dito.

Não fosse hoje sábado eu lhe diria o que sei. Como não posso, rio do rio da métrica (poética) a poesia escandidas aos pés de quem jamais ousei.

 

Alê Bragion é cronista deste matutino desde 2017.

 

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