Os dois Faustos

Sergio Oliveira Moraes

Fausto I: Não, não o Fausto de Goethe, Boris Fausto. Boris, informalidade respeitosa, faleceu no último dia 18, aos 92 anos. Talvez seja melhor dizer que nos deixou – pois permite um duplo sentido. Nos deixou um legado literário com obras sobre nossa história e sua vida pessoal. Foi como historiador que o conheci primeiro.

O “conheci” na obra “História do Brasil”, publicada pela Edusp. O livro teve sua 1a edição em 1994. Sua 12a edição é de 2004: o que configura 12 edições em 10 anos! Além disso, a obra levou também o Prêmio Jabuti de 1995. Eram tempos de José Mindlin na presidência da Comissão Editorial da Edusp. Além dessa obra da série didática da editora, há outras tantas sobre nossa História, veja-se, por exemplo: (https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2023/04/boris-fausto-abriu-a-historia-do-brasil-para-o-tempo-presente-diz-pesquisadora.shtml?utm_source=whatsapp&utm_medium=social&utm_campaign=compwa)

“Reencontrei” a Boris Fausto poucos anos depois, em “O brilho do bronze”. O título me fisgou antes de ler a resenha, a qual só confirmou o meu desejo de ler o livro. Hoje, ao escrever sobre ele, me vem um trechinho de “Jura Secreta”: “Só uma palavra me devora/Aquela que o meu coração não diz” – seu coração a disse Boris, a palavra não irá devorá-lo. A palavra, o luto pela morte da esposa Cynira Stocco Fausto, em 2010, 60 anos dedicados à Educação, 49 de casados. Sim, o bronze é de uma placa no túmulo da esposa. Um título que oscila entre o prosaico e o trágico – devo relê-lo. Sua morte, Boris, me leva novamente a outro luto seu, por Ruy, seu irmão.

Fausto II: Ruy Fausto. “Conheci” Ruy, de novo a informalidade respeitosa, tardiamente em seu artigo: “Única coisa rigorosa no discurso de Olavo são os palavrões”: (https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2018/11/unica-coisa-rigorosa-no-discurso-de-olavo-sao-os-palavroes-diz-ruy-fausto.shtml)

Na época eu já havia feito várias tentativas de ler, ouvir o astrólogo, mas os palavrões, a linguagem chula, a ignorância ao tratar da ciência, cientistas, as teorias da conspiração como princípio, sempre me afastavam. O texto de Ruy trata a questão das falhas lógicas na argumentação do astrólogo, na medida em que são autocontraditórias. Bastante compreensível, pode-se ir além consultando outros textos de Ruy. Há que deixar claro que a empolgação ao ler o artigo não foi pelo “viés de confirmação”, mas pela qualidade da argumentação.

Os livros e artigos de Ruy, inclusive seu último no jornal citado, de 2019, mostram o intelectual profundo e comprometido com o rigor da crítica a qualquer dos lados do espectro político – absolutamente admirável! O corpo do segundo Fausto foi encontrado pela ex-mulher, recostado sobre o piano, na manhã de 10 de Maio de 2020. Um infarto fulminante calou sua “pena”, sua voz, interrompeu no ato a execução do jazz.

Arriscando exagerar nas referências, aqui vai o “link” de uma entrevista (talvez a última de Boris) ao jornalista Alexandre Machado, do jornal “De volta pra casa”, da Rádio Cultura, em um quadro com o belo título: “Com a palavra o livro”. Entrevista sobre o último livro de Boris: “Vida, Morte e Outros Detalhes” (que título!), escrito após a morte de Ruy: (https://cultura.uol.com.br/radio/programas/de-volta-pra-casa/2021/10/13/773_boris-fausto-lanca-vida-morte-e-outros-detalhes.html).

Iniciar sua leitura no 10 de maio que se aproxima será minha maneira de reverenciar os 3 Faustos. Sim, há um terceiro – nem Goethe chegou a tanto.

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Sergio Oliveira Moraes, físico, professor aposentado Esalq/USP

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