A primeira Constituição

Almir Pazzianotto Pinto

 

Passou despercebido o 199º aniversário da Carta de Lei de 25 de Março de 1824, com a qual D. Pedro Primeiro, “por graça de Deus e unânime aclamação dos povos, Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil”, mandou que se observasse a Constituição Política do Império, a primeira da nossa história.

O Brasil, antiga colônia portuguesa, é notável exceção de unidade na fragmentada América Espanhola. Desde a descoberta, em 21 de abril de 1500, não só defendeu a integridade do território como, por negociações diplomáticas ou pela força das armas, ampliou o espaço delimitado pelo Tratado de Tordesilhas, celebrado entre o Reino de Portugal e a Coroa de Castela, em 7 de junho de 1494.

A retirada da Família Real para o Brasil em novembro de 1807, ante invasão do exército francês, relatada por Ângelo Pereira no livro D. João VI Príncipe e Rei (Empresa Nacional de Publicidade, Lisboa, 1953), contribuiu para a conservação de terras cobiçadas por estrangeiros, numa época em que os recursos militares eram precários e se sustentavam no heroísmo de colonos brancos, de escravos negros e de tribos indígenas.

Em 25 de abril de 1821, com o retorno da família real à Portugal, D. João VI teve a sabedoria de fazer do filho, D. Pedro, o Príncipe Regente, a quem aconselhou: “Pedro, se o Brasil se separar, antes que seja para ti, que me hás de respeitar do que para algum desses aventureiros” (A Vida de Pedro I, Octávio Tarquínio de Sousa, Livraria José Olympio Editora, RJ, 1972, Tomo I).

Segundo Octávio Tarquínio de Souza, “Começou D. Pedro o seu governo com uma proclamação, redigida, ao que tudo indica, pelo Conde de Arcos, na qual resumia o programa de reformas que pretendia executar”.

Os antecedentes da Independência são conhecidos. Vale recordar, porém, o que escreveu Francisco Inácio Marcondes Homem de Mello, sobre a primeira Assembleia Geral Constituinte e Legislativa, convocada por D. Pedro, mediante decreto de 3 de junho de 1822: “No dia 3 de maio de 1823, já firmada a independência, foi a assembleia solenemente aberta pelo Imperador, e por esse ato apertou-se o laço de união entre o monarca e a nação. Na reunião desse congresso ilustre repousavam confiadamente as esperanças constitucionais do país” (A Constituinte perante a História, edição fac-similar do Senado Federal, Brasília, DF. 1996).

Em 1º de setembro o deputado Antônio Carlos Ribeiro de Andrade, na qualidade de relator, apresentou projeto de conteúdo liberal, composto por 227 artigos, com o sentido de reduzir o poder do Imperador.

A Assembleia se desenvolvia em ambiente de liberdade. Era notório, porém, o conflito estabelecido com Dom Pedro I que, zeloso das suas prerrogativas, estava decidido a conservá-las. Em 11 de novembro, Antônio Carlos propôs que a Assembleia se mantivesse em caráter permanente. Preocupava-o o clima de agitação popular no Rio de Janeiro, e a inusitada movimentação de tropas nas imediações do casarão em que se encontrava reunida.

O agravamento das divergências entre os irmãos Andrada e o Imperador tornou-se a cada momento mais evidente. Com a autoridade de que era revestido, D. Pedro I não titubeou. Dissolveu a Assembleia e assumiu com plenos poderes o governo do Império. No relato dos historiadores, não houve resistência. A dissolução da Constituinte ocorreu sem protestos. Alguns constituintes foram presos e exilados.

A primeira Constituição foi escrita e outorgada sem a participação de representação popular. O mesmo aconteceu com a Carta Constitucional de 10 de novembro de 1937, editada por Getúlio Vargas, e a Emenda nº 1/1969 à Constituição de 1967, outorgada pela Junta Militar que ocupou o lugar vago pela doença do presidente Costa e Silva.

A Carta Constitucional de 1824 trouxe resultados positivos. A instituição do Poder Moderador, como chave de toda a organização política, garantiu a unidade do território nacional.  Conforme prescrevia o Art. 98, “O Poder Moderador é a chave de toda organização Política e é delegada privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nação, e seu Primeiro Representante, para que incessantemente vele sobre a manutenção da Independência, equilíbrio e harmonia dos mais poderes políticos”.

Prova inequívoca da elevada qualidade da primeira Constituição reside no fato de haver durado 65 anos, sendo emendada uma única vez, pelo Ato Adicional de 1834.

O Brasil Imperial entregou ao Brasil Republicano um país melhor e indiviso, graças à lucidez, coragem, equilíbrio, honradez e determinação de dois Pedros, o Primeiro e o Segundo.

 

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Almir Pazzianotto Pinto, advogado, foi Ministro do Trabalho, presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), autor de Mensagem ao Jovem Advogado

 

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