Educação & Afins – Gruen: a mudança de foco e de rumo

Armando Alexandre dos Santos

 

Tratamos no último artigo dos passos iniciais da brilhante carreira do Prof. Erich Stephen Gruen (1935-), docente de História Antiga da Universidade de Berkeley, na California. Nascido na Áustria e naturalizado norte-americano, Gruen se destacou inicialmente, em sua carreira acadêmica, como professor de História Antiga especializado no período final da República de Roma, e se tornou autoridade nessa área de estudos. No meio da vida, entretanto, já depois de ter completado 40 anos, mudar de foco e de rumo.

Essa mudança se deu no espaço e no tempo. De Roma, o interesse de Gruen se deslocou para a Grécia; e no tempo, recuou cerca de dois séculos, pois passou a estudar o período helenístico, especialmente no contexto da penetração cultural grega em Israel – tema central, como é bem sabido, dos dois livros bíblicos dos Macabeus, também focalizado pelo historiador judeu Flávio Josefo, que viveu no primeiro século da Era Cristã, em sua obra “Antiguidades Judaicas”. Josefo, aliás, era descendente biológico da família real dos Hasmoneus, porque sua mãe descendia diretamente de Simão Macabeu, um dos cinco filhos do velho Matatias.

Colocou-se então de modo vivo, para Gruen, um problema que hoje em dia é estudado em âmbito multidisciplinar, com abordagens históricas, psicológicas e sociológicas: a questão da identidade e da alteridade de romanos e judeus (dois povos com culturas antigas e bem definidas), diante da expansão cada vez mais hegemônica da influência cultural grega, desencadeada a partir das conquistas de Alexandre Magno.

De certa forma, pois, Gruen retornou em seus estudos a suas origens étnicas judaicas. Essa mudança de foco de seus estudos foi explicada pelo próprio Gruen, numa entrevista que concedeu em 2015 ao semanário “Southern New England Jewish Ledger”, de Massachusetts:

“A história romana é a área em que `ralei os dentes´ nas décadas de 1960 e 1970, e nunca me arrependi disso. Mas mudei de rumo para outras direções no final dos anos 70 e na década de 80. Mergulhei na história helenística e me deixei fortemente envolver por ela, com grande gosto e proveito pessoal. O foco também mudou, da história política e diplomática para a história cultural, mais particularmente para a interação da cultura helênica com da sociedade romana – e isso ocupou grande parte do meu trabalho por mais de uma década. A pesquisa sobre os meios e os recursos pelos quais os romanos se apropriaram do helenismo para reformular a sua própria identidade cultural conduziu-me numa progressão natural – natural, pelo menos, em retrospectiva – à investigação de um tema comparável, qual seja a relação do helenismo com a identidade judaica. Considerei a mudança de tema como um desenvolvimento intelectual orgânico, se bem que alguns dos meus colegas e amigos, especialmente os de Israel, interpretem a nova direção como sendo `um retorno às minhas raízes judaicas´. Então, pelo menos no meu modo de ver, foi uma evolução natural e não uma mudança repentina. Seja qual for o suposto impulso inconsciente, no entanto, o envolvimento com a história judaica e a literatura no período greco-romano dominou minha pesquisa nas últimas duas décadas.” (disponível em: http://www.jewishledger.com/2015/01/conversation-prof-erich-gruen/ )

 

Essa inflexão de Gruen, do estudo político e diplomático das instituições romanas para o estudo da interpenetração cultural de povos vencedores e povos vencidos (colocando-se estes últimos na situação de quem, embora submetido, sente necessidade e se esforça para não perder sua própria identidade cultural) toca num ponto muito importante do ponto de vista psicológico e sociológico: a questão da alteridade, que se relaciona umbilicalmente com a questão da luta pela preservação da própria identidade.

Tratei mais a fundo dessa questão em um livro intitulado “Teoria e prática de História Oral”, que está para ser lançado aqui em nossa cidade, em edição do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba, com patrocínio da Prefeitura Municipal. O lançamento será feito em março, simultaneamente com o de outra obra que trata de tema afim: “História Oral em Piracicaba”, do meu grande amigo Dr. João Umberto Nassif, que reproduz entrevistas realizadas com piracicabanos de várias profissões e áreas de atuação, publicadas semanalmente pela “Tribuna Piracicabana”.

Mas não quero me adiantar. Isso fica para depois.

 

 

Licenciado em História e em Filosofia, doutor na área de Filosofia e Letras, membro da Academia Portuguesa da História e dos Institutos Históricos e Geográficos do Brasil, de São Paulo e de Piracicaba.

 

 

 

Frase a destacar: De certa forma, Gruen retornou em seus estudos a suas origens étnicas judaicas.

 

 

 

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