Cem sonetos de amor

Sergio Oliveira Moraes

 

 

Foi após o almoço, um dia da semana – se não me falha a memória, uma quarta-feira que não foi como tantas. Definitivamente, não foi. Um amigo me fala de uma série de conversas sobre literatura, ou seriam sonetos naquela série? Aquela semana, aquele dia, “Cem Sonetos de Amor.” Curioso que fiquei, o quis rápido – e um dispositivo eletrônico ajuda nessas horas. Abdiquei de esperar um livro impresso, de poder “amá-lo do amor táctil/Que votamos aos maços de cigarro”. Abdiquei Caetano, para conhecer os Sonetos, um bocadinho que fosse – antes.

Cheguei cedo, passear pelas salas, olhar as fotografias, a arquitetura, os móveis. Encanto-me. Pessoas vão chegando, já familiarizadas, participando desde o início desse Projeto, felizes elas. Uma sala, um computador, uma tela, uma pequena grande professora. Encanta-me. O computador não é para uma apresentação de “PowerPoint” – onde a palavra e o pensamento correm o risco de serem suprimidos pela repetição do que está escrito (o escrito é mínimo, se é que houve). O que é um “soneto”? Como se caracteriza? Ela nos contando, o que acho, Caetano resumiu: ”Porque a frase, o conceito, o enredo, o verso / E, sem dúvida, sobretudo o verso / É o que pode lançar mundos no mundo”. Mundos no mundo, o computador, a tela, para exibir trechos do filme: “O Carteiro e o Poeta,” o poeta, o autor dos “Cem Sonetos”, Pablo Neruda. Sobre sua morte, refazem-se as suspeitas de ter sido assassinado, novas provas. Sim, matam-se poetas.

Matam-se poetas, matam-se espaços, lugares, onde se fala e se aprende sobre poetas. E sobre tantas outras coisas tão humanas, tão necessárias que aprendemos a chamar de Ciências Biológicas, Ciências Humanas e Ciências Exatas. Mas haverá alguma ciência que não seja humana? Que não tenha sido criada por seres humanos, para seres humanos? Não utilizam a mesma linguagem, mesmas técnicas, métodos, mas continuam humanas. Gil: “Sei que a arte é irmã da ciência /Ambas filhas de um Deus fugaz/Que faz num momento e no mesmo momento desfaz”. Sim, a arte, a cultura também, tudo tão humano, tão próximas quanto irmãs podem ser.

Não, não acho que estou fugindo daquela tarde. É tudo um lamentar sobre não mais conversa sobre literatura, não mais literatura e muitas de suas irmãs. Não mais corredores e discussões e saberes, dos quais muito pouco participei (lamento). Mas lamento mais ainda pelas pessoas que por ali passaram, muitas tão queridas, e lamento pelas que não passarão. E, para ti Piracicaba, um lamento grego: “Ai de ti!”, “Ai de ti!”, se não fores capaz de salvar a UNIMEP. Não podes deixar perecer assim quem te deu tanto, não tens esse direito Piracicaba, não seja ingrata! Em tantos momentos difíceis da vida política nacional ela te ofereceu espaço de resistência e reflexão. Não vires as costas agora, quando ela precisa de ti. A preocupação do governo de 2019 – 2022 em atacar o ensino, a educação, em particular a universitária, provou o quanto a universidade incomoda. Que os saberes ali originados, incomodam. E, claro, salvam. E então, mais do que nunca é preciso salvá-la também, compromisso com o passado e com o futuro.

Salvá-la para, de novo, uma tarde de quarta-feira no Centro Cultural Martha Watts. Para passear pelas salas, olhar as fotografias, a arquitetura, os móveis, enquanto se espera pelo início, a pequena grande professora. Para, emocionado, associar: “E aquela vez foi como nunca e sempre:/vamos ali onde não se espera nada/e achamos tudo o que está esperando.” (Última estrofe do Soneto IV, Cem Sonetos de Amor, Pablo Neruda).

Sergio Oliveira Moraes, físico, professor doutor aposentado da Esalq/USP

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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